• Edição 107
  • 14 de novembro de 2007

Por uma boa causa

Doença hereditária afeta movimentos e personalidade

Clarissa Lima

Para dar continuidade a série sobre doenças neurodegenerativas, o Olhar Vital aborda essa semana a doença de Huntington. Um mal hereditário que causa disfunções motoras e comportamentais. E, apesar de não ser muito conhecido, não é raro.

Ana Lúcia Rosso, médica do Serviço de Neurologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), explica. “Esta doença passa de pai para filho sem pular gerações. Ela causa deterioração de neurônios dos gânglios da base e do córtex cerebral, levando a quadros como coréia (movimentos involuntários e bruscos, tanto dos membros como da face) e declínio cognitivo, que pode ocasionar demência e alterações de comportamento”.

Descrita por George Huntington em 1872, esta patologia passou a ser compreendida mais profundamente apenas nos últimos vinte anos. Um exemplo de famoso que sofreu desta doença é o cantor norte-americano Woody Guthrie.

Causas da doença

Na maioria dos casos, as manifestações do problema ocorrem a partir dos 40, 50 anos de idade. Contudo, existe o chamado fenômeno de antecipação, que pode ocasionar o problema precocemente:

– Existe uma seqüência de genes que produzem a proteína huntingtina. Em geral, esta seqüência deve repetir em torno de 20 vezes. Quando este número de repetições é maior do que 35, sinaliza a existência do problema. Quanto mais vezes aparecer esta seqüência genética, mais precoce vai ser a manifestação da patologia -, destaca a médica.

Ana Lúcia diz que há muitos dados interessantes, específicos da doença. “Quando o paciente apresenta o número de repetições dentro deste intervalo (entre 20 e 35 vezes) não é caracterizada a patologia clínica, apenas diagnostica-se certa alteração. Entretanto, seus descendentes podem apresentar o problema devido a este fator propulsor. E, também, sabe-se que o gene transmitido pelo pai é mais instável que o da mãe. Isto significa que, enquanto o pai apresenta a doença em torno dos 50 anos, o filho pode manifestá-la aos 20”, afirma a professora.

Este mal, segundo a neurologista, não acomete privilegiadamente homens ou mulheres. Justamente por ser de origem genética, ela não faz esta diferenciação. Geralmente, os filhos de pessoas que sofrem do problema têm 50% de chances de sofrer de Huntington.

Apesar de doenças como Alzheimer e Parkinson serem mais prevalentes, este mal pode ser considerado comum. A doença afeta de 5 a 10 pessoas em 100 mil, sem diferenças de raça também.

Sinais e tratamento

Dentre os sintomas, os mais freqüentes são os espasmos motores da coréia e desequilíbrio emocional, originando depressão, apatia, agressividade, alucinações e agitação psicomotora.

Este diagnóstico, conforme ressalta a neurologista, não é difícil. Mas, devido à forma como os sintomas se apresentam, pode haver confusão com outras doenças. Por causa da coréia, esta patologia pode ser confundida doença auto-imune ou vascular, dependendo da idade do paciente. Mas, atualmente, para fazer o diagnóstico, é preciso apenas avaliar a história familiar ou fazer exame genético em laboratório.

A doença não tem cura, mas há medicamentos que podem diminuir seu impacto, como remédios que reduzam as conseqüências da coréia ou de cunho psiquiátrico, para amenizar os distúrbios de personalidade.

– É um tratamento que acaba sendo custoso, porque o tratamento é prolongado e a medicação, cara. Mas hoje o Sistema Único de Saúde (SUS) dá a maioria destes remédios de graça – afirma Ana Lúcia.

Ela destaca ainda novas possibilidades contra esta patologia. A primeira, mais imediata, se refere à associação genética-ginecologia. Com inseminação artificial e avaliação de fetos, é possível descobrir quais são saudáveis ou não:

– Desta forma, evita-se o nascimento de mais pessoas doentes e alivia-se o peso carregado pelos pais, que temem transmitir este mal a seus filhos – conclui a especialista.

Outra forma seria a terapia gênica, que, através da manipulação genética, poderia conferir novas possibilidades de tratamento e, quem sabe, a cura. Sendo assim, o crescimento de pesquisas nesta área é relevante e deve ser incentivado.