• Edição 106
  • 08 de novembro de 2007

Faces e Interfaces

Nutrigenômica: o perfil genético já pode guiar sua alimentação?

Priscila Biancovilli

Cor dos cabelos, dos olhos, altura, traços do rosto, formato do corpo... grande parte das características que diferenciam os indivíduos uns dos outros são determinadas pelo fator genético. Recentemente, o projeto Genoma Humano mapeou todos os genes da espécie humana – aproximadamente 25 mil. Este feito pode, no futuro, prever com bastante antecedência o aparecimento de doenças crônicas e cânceres, por exemplo. Quanto mais cedo os cuidados certos forem aplicados, menor a possibilidade de complicações futuras.

Uma novidade na área da nutrição promete revolucionar o modo como conduzimos nossos hábitos alimentares. Trata-se da nutrigenômica, a relação entre compostos bioativos presentes nos alimentos e sua ação na expressão de algum gene. Ou seja, é o estudo da maneira como os alimentos reagem em cada organismo.

A nutrigenômica propõe que a dieta de cada indivíduo seja única, assim como é seu mapa genético. Esta personalização pode garantir uma maior eficiência na prevenção de doenças. Mas quando isto de fato se tornará realidade? Até que ponto esta proposta está próxima do “mundo real”? Para discutir estas questões, convidamos os professores Hélio Rocha, de Nutrologia Pediátrica, e Glorimar Rosa, do Instituto de Nutrição da UFRJ.

Hélio Rocha

Professor de Nutrologia Pediátrica da Faculdade de Medicina da UFRJ

“A elaboração de dietas personalizadas de acordo com o histórico familiar do indivíduo é uma premissa, mas ainda não existe comprovação científica de que realmente funcione. Nunca foi feito um acompanhamento de determinada população por um grande período para checar que tipos de alterações alimentares gerarão benefícios bem definidos.

“Por exemplo, verificamos que bebês nascidos com pouco peso têm uma chance de três a cinco vezes maior de desenvolver obesidade, diabetes e arterosclerose (entupimento das artérias) na vida adulta. Então, qual seria o procedimento médico mais lógico? Oferecer àquela criança, desde cedo, uma alimentação controlada, que previna o aparecimento destas doenças. Entretanto, isto não garante a ela se livrar do problema. Simplesmente porque não existe nenhuma comprovação científica de que crianças abaixo do peso de fato desenvolverão a doença. Além disso, não sabemos exatamente qual tipo de alimentação controla estes problemas.

“Suponhamos que todos em determinada família tenham hipertensão e colesterol alto. Uma criança ainda não desenvolveu nem hipertensão nem teve aumento de colesterol. Não faz sentido aplicar uma dieta desde cedo. Não há nenhuma garantia de que a dieta barrar a manifestação do potencial genético na criança. Precisamos analisar um grupo grande de pessoas para saber que tipo de interferências são bem sucedidas ou não. O ambiente em que a pessoa vive, aliás, também é considerado um fator fundamental.

“Estudos mostram que índios não têm hipertensão essencial, a forma mais comum da doença está entre a população ocidental. Se, no entanto, colocarmos estes indivíduos para se alimentarem como uma pessoa de cidade grande, com certeza alguns deles desenvolverão a doença. Da mesma maneira, se trouxermos uma pessoa dos centros urbanos para a tribo, ela provavelmente terá seu problema controlado.

“Em suma, o máximo que uma dieta pode fazer é controlar sintomas, não curar doenças. Vamos supor que uma pessoa tenha um problema que a impeça de transpirar. Se a levarmos para um ambiente com ar condicionado, seus sintomas serão controlados. No entanto, caso ela volte para o calor, terá problemas.  É exatamente este o papel das dietas: aliviar, mas não remover o problema.”

Glorimar Rosa

Professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ

“Entre os fatores ambientais capazes de influenciar a expressão de um gene, a dieta é o fator de maior peso. A ingestão de bebidas alcoólicas e a prática de exercícios físicos regulares também constituem fatores ambientais decisivos na modulação genética. Não podemos ainda indicar dietas totalmente personalizadas, porque não temos o fator genético completo de todos. Porém, analisando o histórico familiar do paciente, conseguimos verificar sua predisposição a uma doença crônica, possível de ser minimizada a partir de uma mudança no estilo de vida. Ele pode adotar uma dieta mais equilibrada e praticar esportes para, por exemplo, minimizar o risco de desenvolver obesidade ou doenças cardíacas.

“Claro que, quando conseguirmos analisar o mapa genético completo da pessoa, tudo ficará muito mais fácil. As doenças crônicas poderão ser evitadas bem antes de sua manifestação.
“No entanto, isto não acontecerá em um futuro muito próximo. Estamos num estágio inicial do mapeamento. Alguns polimorfismos genéticos bastante comuns na população já foram estudados. Que é isso? Trata-se de mudanças nas bases nitrogenadas do gene, que resultam em uma proteína ou hormônio com uma característica funcional diferente. Descobriu-se existir uma interação entre nutrientes e os polimorfismos.

“Um polimorfismo bastante estudado é o de uma enzima envolvida no metabolismo da homocisteína (um aminoácido). Quando o indivíduo apresenta polimorfismo desta enzima, acaba favorecendo o aumento das concentrações deste aminoácido. Este desequilíbrio aumenta o risco de entupimento das artérias. A alimentação pode, neste caso, reduzir este problema. Se o paciente tem um estado nutricional adequado de folato – uma vitamina do complexo B – ele consegue ultrapassar a deficiência desta enzima e consegue reduzir as concentrações de homocisteína no organismo.

“Os estudos em nutrigenômica ainda são muito novos. Para se ter uma idéia, apenas em 2001 completou-se o projeto Genoma Humano. Na realidade, ainda conhecemos poucos polimorfismos e muitos estudos ainda não conseguiram chegar à fase aplicação prática. O tratamento por este método já pode ser executado, não pela análise genética do indivíduo, mas sim por uma avaliação detalhada de seu histórico familiar e pessoal.

“Algumas pesquisas têm investigado polimorfismos específicos, mas ainda estamos longe de ter todos catalogados e estudados.

“Para cada doença, vários genes estão envolvidos. Eles interagem, também, com fatores ambientais. Por isso, este estudo é muito complicado. Se alguém tem predisposição genética a desenvolver hipertensão, por exemplo, precisa também de um ambiente favorável para que a doença se manifeste. Ao mesmo tempo, se o indivíduo mantém uma alimentação balanceada e pratica exercícios físicos, limitará bastante os problemas relativos à sua doença.”