• Edição 106
  • 08 de novembro de 2007

Por uma boa causa

ELA: A doença misteriosa

Clarissa Lima

Por uma boa causa continua, esta semana, a série sobre doenças neurodegenerativas. Nessa edição, falaremos sobre a esclerose lateral amiotrófica ou, simplesmente, ELA, uma enfermidade degenerativa que compromete faculdades humanas essenciais. Este mal acomete, em média, de uma a duas pessoas por cem mil, em todo o mundo. Entretanto, é sério e merece atenção.

Esta doença, pouco conhecida mundialmente, é também misteriosa à própria classe médica. José Mauro Braz de Lima, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e coordenador geral do Setor de Doenças do Sistema Nervoso – Esclerose Lateral Amiotrófica (DNM-ELA) do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC-UFRJ) baseou suas teses de mestrado e doutorado em ELA e figura entre os maiores pesquisadores desta doença no mundo.

− A esclerose lateral amiotrófica é uma doença crônica degenerativa que acomete principalmente o neurônio motor e tem causas desconhecidas. É evolutiva e inexorável, ou seja, é invariavelmente fatal. Caracteriza-se por um curso evolutivo lento, que dura de quatro a seis anos, até causar a morte do paciente −, afirma o professor José Mauro.

Descrita pela primeira vez pelo neurologista francês Jean-Martin Charcot em 1862, a esclerose lateral amiotrófica é conhecida também como doença de Charcot e, nos Estados Unidos, é chamada de Lou Gehrig’s disease. Esta denominação faz referência ao jogador de beisebol norte-americano que sofreu deste mal. Também o ex-governante chinês Mao Tse-tung e o ator britânico David Niven padeceram devido à ELA. O cientista britânico Stephen Hawking também sofre desta doença, mas em uma forma peculiar que apresenta processo degenerativo mais longo (Hawking recebeu o diagnóstico há mais de 40 anos e ainda está vivo).

Especificidades da doença

− A esclerose lateral amiotrófica tem como sintomas principais paralisia progressiva, disfagia (perda da faculdade da deglutição) e disartria (perda da capacidade de articulação das palavras), causando também atrofia da língua. Não costumam ocorrer distúrbios de sensibilidade, e o estado mental dos pacientes, na maioria das vezes, é preservado. Mas pode acontecer perda de capacidades cognitivas em alguns casos −, explica o neurologista.

Os neurônios motores, sobre os quais atua esta enfermidade, são células responsáveis por relaxamento e contração muscular. Com a atrofia progressiva destas células torna-se mais difícil a movimentação, o que ocasiona a paralisia.

Existem tipos diferentes de esclerose lateral amiotrófica. A ELA esporádica é a forma mais comum, corresponde a cerca de 90% dos casos da doença em todo o mundo. A ELA familiar, responsável por cerca de 5% a 10% do total de pacientes, possui causas genéticas. A ELA Guam é categoria curiosa, pois se refere aos casos desta patologia ocorridos na ilha de Guam, no Pacífico Ocidental, onde a incidência é mais alta.

Há dois subgrupos da enfermidade, classificados com base nas áreas do corpo em que a doença se manifesta pela primeira vez: a ELA com início nos membros (em que se perde primeiramente os movimentos dos braços e pernas) e a ELA com início bulbar (a qual afeta, no começo, face e cabeça).

José Mauro diz que a ELA é uma doença “incomum. Não digo rara porque as taxas de prevalência não são semelhantes, há maior incidência em alguns lugares do que em outros.” O Brasil, segundo ele, apresenta prevalência ligeiramente acima da média. “Outro aspecto sério a ser ressaltado sobre a ELA aqui no país é sua incidência sobre pessoas mais jovens, entre os 30 e 40 anos”, destaca o médico.

Ele explica, também, o fato de esta doença não ter grandes variações de prevalência entre homens e mulheres: “Aproximadamente, a proporção é de 1,3 homens para uma mulher. A de início bulbar, no entanto, é mais contundente no sexo feminino, atua numa proporção de duas mulheres para um homem.”

Quanto ao tratamento, o neurologista explicita como a precariedade dos dados sobre a doença afeta também as maneiras de controlá-la. “Não há medicamentos que sejam específicos da esclerose lateral amiotrófica. A mais nova esperança no tratamento desta enfermidade diz respeito ao uso de células tronco, mas esta é uma pesquisa em fase inicial, puramente experimental, da qual não se pode afirmar nada ainda.”

Cuidados com o paciente

A esclerose lateral amiotrófica não tem cura. Desta forma, o professor José Mauro apontou diversas medidas necessárias para que este diagnóstico seja transmitido da melhor maneira possível para o paciente.

O diagnóstico, segundo o especialista, não é difícil, mas deve ser bem elaborado, deve-se ter muito cuidado no exame, de modo a evitar dúvidas sobre o caso. O médico explica que pode haver doenças passíveis de se confundir com esta patologia. As mais comuns são mielopatia espondilótica, artrose da medula, tumores da medula ou da fossa posterior, paraplegia espástica tropical, outras agressões na medula espinhal ou certas doenças ainda mais raras. “Este diagnóstico diferencial é muito importante, não pela dificuldade clínica, mas porque deve ser o mais definitivo possível, para tomarmos as medidas adequadas”, afirma José Mauro.

O neurologista explicita também o papel de atendimento de qualidade a estes pacientes, mas não apenas na análise da doença. Acompanhamento psicológico e aproximação com a família podem tornar a luta contra esta enfermidade menos dura e deprimente.

Por fim, o professor falou sobre a excelência dos estudos voltados para esta patologia e o atendimento aos pacientes que sofrem de ELA realizados no INDC. O serviço do qual José Mauro faz parte, o DNM-ELA, completa 30 anos em 2008 e é referência em pesquisas sobre o assunto. “Por isso, não tenha medo de tentar saber mais sobre esta doença. Conhecer a ELA é fundamental para auxiliar pessoas acometidas. Procure o INDC e se informe”, aconselha José Mauro.