• Edição 104
  • 25 de outubro de 2007

Ciência e Vida

Os efeitos do café na saúde humana

Stéphanie Garcia Pires – Agência UFRJ de Notícias – Praia Vermelha

Café. Este é o objeto de estudo de Darcy Roberto Lima, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC/UFRJ). Em 1983, de volta ao Brasil após concluir seu doutorado pela Universidade de Londres, o médico inspirou-se na rica flora nacional para pesquisar plantas medicinais, até que começou a se aprofundar no café, analisou sua composição química e os efeitos de seu consumo pela população em geral. Liderando o programa “Café e saúde”, Darcy afirma que esta bebida é um suco natural e saudável.

– Começamos com a investigação de plantas, visando à descoberta de novos medicamentos a partir de produtos naturais. Após demonstrar que o guaco (historicamente usado para combater gripe, infecções na garganta, bronquite, entre outros) e o abacateiro (para aliviar, por exemplo, prisão de ventre e perturbações digestivas) não eram tão eficazes quanto se acreditava, decidimos estudar com Luis Turgo (antigo professor da UFRJ e a maior autoridade em química do mundo) a planta mais comum em todos os países, o café – recorda o pesquisador.

Com o projeto “Café e memória”, a equipe de Darcy analisou consumidores de café para comprovar que esta bebida, além da cafeína, possui outras substâncias saudáveis que previnem, por exemplo, apatia, depressão, suicídio, alcoolismo e cirrose. Em mais de 20 anos de pesquisa, ainda há substâncias químicas desconhecidas no café. Entretanto, é possível destacar a presença de trigonelioca, responsável pela formação da vitamina PP (niacina, relacionada às enzimas respiratórias e vasodilatadoras), e de minerais, tais como o potássio, o ferro e o zinco. Compostos fenólicos anti-oxidantes (ácidos clorogênicos) também compõem o café, gerando as lactonas, que atuam no cérebro e no corpo humano com efeitos benéficos. Darcy observa, de todas estas substâncias a cafeína é a que ocorre em menor quantidade, apenas 1%. Outra característica é o cheiro. O café atrai o olfato humano, “principal sentido, mais impactante do que a visão, pois está ligado à memória e ao prazer. Ninguém esquece um odor ruim, bem como prefere um aroma bom e agradável”, explica o pesquisador.

Retomando a importância das lactonas, formadas pelos ácidos clorogênicos, Darcy esclarece que este composto possui “um efeito antagonista opióide no sistema mesolímbico, ou seja, na sinapse entre a área tegmental ventral e o núcleo acumbens do cérebro. Aí atuam o álcool, a nicotina, a morfina e a cocaína, facilitando a liberação de dopamina para o córtex cerebral, o que causa sensação de prazer. O bloqueio e modulação dos receptores opióides na área tegmental ventral feita pelas lactonas do café regulam o teor de dopamina para o cérebro, impedindo que a pessoa sofra de depressão, além de amenizar o desejo de auto-gratificação e o impulso pela busca do consumo de álcool e drogas”. Resultados semelhantes são obtidos com os remédios naltrexona e bupropiona, indicados respectivamente no combate ao alcoolismo e no controle do tabagismo. Entretanto, o pesquisador alerta que o café precisa ter uma torra adequada e controlada para conter as lactonas que bloqueiam o consumo de álcool. Isso significa uma torra média e nunca escura.

Em sua pesquisa, Darcy afirma inclusive que o café é a bebida mais recomendável para crianças e atletas. Segundo ele, bebidas energéticas apenas hidratam, haja vista que possuem um pouco de sal e açúcar — um soro caseiro vendido em uma apresentação sofisticada. “Também possuem minerais, mas isso não traz qualquer efeito benéfico para a saúde humana. O café, ao contrário, faz bem para o corpo e para o cérebro. Previne uma série de doenças, além de modular o humor, algo fundamental para o atleta permanecer motivado”. Para fortalecer esta idéia, o pesquisador está implantando o projeto “Café na merenda, saúde na escola” no Brasil e na América Latina, visando substituir as bebidas artificiais (junk food) por café com leite entre estudantes de cinco a dez anos e por café puro para crianças a partir de 11 anos. O argumento usado é que se “cada estudante do mundo substituir um refrigerante por uma xícara de café com leite, diminuirão os casos de obesidade infantil, depressão, suicídio, alcoolismo, cirrose e, até mesmo de diabetes, mal de Parkinson e de Alzheimer”.

O médico explicita, o café possui mais efeitos benéficos do que qualquer alimento funcional existente na atualidade – são a soja, o ômega 3, brócolis e vinho. Ele desafia, se comparados os resultados de estudos realizados com o consumo por estudantes de vinho ou de cerveja, ricos em anti-oxidantes, ao o consumo diário de café, a eficiência do último ficará comprovada como superior. Por isso, a equipe de Darcy vem lutando para modificar a pirâmide alimentar divulgada pela Universidade de Harvard, em que se recomenda beber de uma a duas taças de vinho por dia para que as pessoas mantenham a saúde boa. “Nós estamos defendendo que o café com leite seja incluído, pois é mais saudável, mais saboroso e tem mais aromas agradáveis do que o vinho”. Para finalizar o assunto, o pesquisador afirma: “quando o vinho entra, o juízo sai. O mesmo não acontece com o café”. Porém, deixa o alerta, para manter os efeitos positivos desta bebida, é preciso evitar excessos. “Recomendamos o consumo de quatro xícaras ao longo do dia, lembramos que o café é uma bebida diurna, portanto, não deve ser tomado à noite, salvo raras exceções.

O café no combate às drogas ilícitas:

– Os efeitos do café contra o alcoolismo são conhecidos desde o século XVII, nomeado a Era das bebidas, quando sua inserção na alimentação diária começou no Ocidente e passou a diminuir o consumo de bebidas alcoólicas na Europa e na América do Norte. Produtos derivados do café com maior potência estão sendo pesquisados para testes e avaliação de sua possível eficácia no controle do consumo de drogas ilícitas. O maior consumo de café e sua valorização mundial podem influir diminuindo o cultivo de plantas ilícitas, por exemplo, em toda América Latina, maior fonte destas drogas. Além disso, o consumo desta bebida, começando na idade escolar, pode baixar os índices de incidência de apatia, depressão e obesidade infantil, que levam à baixa auto-estima e à busca de prazer de forma artificial através das drogas. Por isso, acredito que o café pode se constituir a maior e mais importante planta para o controle das drogas ilegais – argumenta Darcy.