• Edição 103
  • 18 de outubro de 2007

Por uma boa causa

A doença que está no ar

Marcello Henrique Corrêa

Presentes em toda a parte, alguns animais já se incorporaram ao cenário urbano. Quase irreversível, a convivência da cidade com esses animais pode ser um dos fatores causadores de algumas doenças. Pensando nisso, a editoria Por uma boa causa desta semana segue com a série de reportagens sobre “Doenças transmitidas por animais”. Em pauta, a criptococose.

O nome é estranho à maioria das pessoas, mas um de seus principais causadores está por toda parte: os pombos. Encontradas em bandos em qualquer grande cidade, essas aves hospedam o agente causador, o fungo Cryptococcus neoformans, abundante em suas fezes, como explica Ricardo Pereira Igreja, professor do serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP), do Hospital Unniversitário Clementino Fraga Filha da UFRJ.  “Esse microrganismo, na verdade, está na natureza. Contudo, as fezes do pombo oferecem ao fungo um ambiente mais propício para a proliferação.”

A transmissão é bem simples: pela respiração. A inalação dos esporos provoca a infecção do organismo. A princípio, o fungo se instala no pulmão. A partir de então, provoca a infecção facilmente e, por isso, o infectologista é radical em sua afirmação: “Para prevenir realmente a infecção somente parando de respirar”, obviamente, impossível.

– Apesar disso, muitas pessoas desenvolvem a infecção e não evoluem para a doença. O fungo permanece na forma latente e não caminha necessariamente à fase sintomática da doença — conta Ricardo Igreja. Segundo ele, a criptococose se divide na fase assintomática, quando o fungo se instala, principalmente nos pulmões, e na fase em que ocorrem os quadros de meningite. “É raro a doença evoluir, em pacientes saudáveis, para a meningite. Geralmente, o próprio sistema imunológico elimina o fungo”, relata Igreja.

Como o tratamento da primeira fase da doença está initimamente ligado ao sistema imunológico, pacientes imunodeficientes, portadores de AIDS, são os que mais sofrem com ela. “No início da década de 1990, tínhamos no Hospital Universitário cerca de 50 pacientes apresentando meningite causada por criptococose. Era quase um por semana. A maioria desses era imunodeficiente”, lembra o médico. Contudo, esse quadro, hoje em dia, já é bastante diferente. “Atualmente, com os avanços na área de medicamentos, os chamados coquetéis ajudam no aumento da capacidade imunológica de pacientes com AIDS, diminuindo muito a incidência da criptococose em seu quadro mais grave”, afirma o professor.

Mesmo assim, segundo Ricardo Igreja, o quadro mais grave pode ocorrer, ainda que raramente, em qualquer indivíduo. “Se o paciente estiver debilitado, podem acontecer os casos de meningite e os óbitos não são raros”, afirma. “O tratamento é relativamente desagradável ao paciente, adota medicamentos causadores de alguns efeitos colaterais, mas são eficazes. Existem remédios mais brandos em efeitos colaterais, mas não têm eficácia tão boa”, completa o professor, relatando a parte mais complexa da enfermidade.

Contudo, o pombo não é o único vilão dessa história. O professor ressalta, além dos esporos serem encontrados em outras aves, também se desenvolvem em árvores, principalmente no eucalipto. “Hoje em dia já se estuda a chamada ecoepidemiologia, que analisa a ocorrência de fungos em árvores. Grupos no Brasil, inclusive, já estudam esses casos”, comenta Igreja. A ocorrência do fungo em eucaliptos se dá através de outra variedade do Cryptococcus neoforman: a gatti. “Taxonomistas ainda divergem sobre se é outra espécie ou se é apenas uma nova variedade. De qualquer forma, a doença causada é a mesma”, afirma o médico.

Devido a essa variedade de hospedeiros do fungo, Ricardo Igreja considera medidas drásticas de controle de pombos desnecessárias para a prevenção de casos de criptococose. Recentemente, vereadores da cidade de Campo Mourão propuseram um controle de pombos na cidade, por meio de câmaras de gás. Um dos objetivos da ação era prevenir a criptococose. “Como já disse, o esporo está na natureza, e não só nos pombos. A melhor medida para evitar problemas mais graves com a criptococose é fazer um diagnóstico rápido e iniciar o tratamento o quanto antes”, conclui o médico.