• Edição 098
  • 13 de setembro de 2007

Por uma boa causa

Como conviver com a hemofilia

Flávia Fontinhas

Os genes guardam a informação química herdada de nossos pais no momento da concepção. Determinam a nossa constituição biológica. São eles que nos formam similares aos nossos pais e controlam nosso crescimento e aparência. Também determinam nossa resistência a determinadas doenças ou predisposição em relação a outras.

A hemofilia é uma doença hereditária recessiva congênita, transmitida no cromossoma X, e acomete principalmente os filhos homens de mães portadoras. A fim de esclarecer às pessoas sobre esse tema, bem presente mas pouco discutido, a editoria Por uma boa causa dá prosseguimento à série de Doenças Hematológicas, abordando, nessa semana, a hemofilia.

Quando se  corta alguma parte do corpo e começa a sangrar, as proteínas, também conhecidas como fatores de coagulação, entram em ação para estancar o sangramento. Esses fatores são numerados, em algarismos romanos (de I a XIII) e trabalham em equipe, cada um tem seu momento de ação e passa instruções ao seguinte. As pessoas portadoras de hemofilia não possuem essas proteínas e, por isso, sangram mais do que o normal.

- Esta é uma deficiência hereditária em um fator de coagulação. Com a falta desse fator, o paciente tem uma tendência natural ao sangramento e também dificuldade de parar um sangramento já iniciado -, afirma Marianne Landau, hematologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Há dois tipos principais de hemofilia, a do tipo A (representa cerca de 80 a 90% dos casos) e a do tipo B. “Pessoas com hemofilia tipo A são deficientes do fator VIII. Já as pessoas com hemofilia tipo B são deficientes do fator IX. Os sangramentos são iguais nos dois tipos, porém a gravidade dos sangramentos depende da quantidade de fator presente no plasma, líquido que representa 55% do volume total de sangue” relata a médica.

As pessoas com hemofilia grave têm hemorragias espontâneas, ou seja, repentinas e sem causa aparente. As simples atividades normais da vida diária, como caminhar e correr, podem produzir hemorragias. As hemorragias espontâneas geralmente acontecem nas partes do corpo onde há muita atividade e esforço, principalmente nas articulações. Essas lesões são chamadas de “hemartroses”. Os joelhos e tornozelos são freqüentemente atingidos por hemorragias, uma vez que suportam grande parte do peso do corpo. Outras articulações, como cotovelo, quadril e ombro, podem também ser atingidas.

Outros locais que podem apresentar sangramento espontâneo são: a pele, os músculos e as mucosas, boca, nariz etc. Manchas roxas na pele são chamadas equimoses. Se ocorrem no tecido subcutâneo e nos músculos, gerando coagulação de sangue, são chamados hematomas. Alguns hematomas são de alto risco, pois podem levar a graves problemas, como na língua, pescoço, antebraço, panturrilha e no músculo íleo-psoas. Os sintomas dos sangramentos nos músculos e articulações são: dor, inchaço e parada do movimento no local atingido (braço ou perna, por exemplo). Os sangramentos após extração dentária são também importantes, e devem ser prevenidos e acompanhados por profissionais experientes em hemofilia.

- O diagnóstico é geralmente na primeira infância, nos casos de deficiência grave do fator, com surgimento de sangramentos intrarticulares quando o bebê começa a engatinhar, ou mesmo sangramento demorado pelo coto umbilical ao nascer. E é feito pela dosagem no soro do paciente do fator de coagulação, quando esse se apresenta em níveis muito baixos, geralmente abaixo de 5% -, explica Marianne.

Apesar de não existir cura, o tratamento, quando feito de forma adequada, é bem eficiente. Ele realiza a reposição intravenal do fator purificado deficiente, em caso de manifestação de sangramento. Assim, o concentrado do fator de coagulação é transformado em pó, diluído em água destilada para ficar líquido de novo e aplicado na veia. Alguns concentrados são derivados do plasma, feitos a partir do sangue de doadores, enquanto outros são fatores recombinados, feitos em laboratório. Algumas pessoas com hemofilia leve têm ainda outra opção de tratamento que é o DDAVP – Desmopressina – medicação sintética não derivada do sangue.

Por se tratar de uma patologia genética, não há exatamente uma forma de prevenção. Mas ao se ter outros casos na família, o paciente pode tentar um aconselhamento genético. Isto não impede, entretanto, ele vir a desenvolver a doença, principalmente homens que tenham a mãe portadora.

- O mais importante é ter em vista que é possível viver com hemofilia, desde que se leve a sério o tratamento. Por isso, o paciente deve ser tratado logo após uma lesão; uma vez que receba o fator no início do sangramento, irá estancar de forma mais rápida e menos sangue precisará ser reabsorvido. Assim, o paciente poderá voltar mais rapidamente a sua rotina normal -, conclui a hematologista.