• Edição 095
  • 23 de agosto de 2007

Faces e Interfaces

SUS incorpora terapias complementares


Julianna Sá e Marcello Henrique Corrêa

Apesar da popularidade de diversas práticas terapêuticas alternativas, somente agora, através da normatização feita pelo Ministério da Saúde, está autorizada sua aplicação nas unidades no Sistema Únsco de Saúde (SUS).

Desde a década de 1970, a Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio da criação do Programa de Medicina Tradicional, vem incentivando a implementação de políticas públicas que integrem a medicina tradicional às práticas complementares, ou alternativas. O desenvolvimento de estudos científicos que possam garantir a segurança dessas ações também é estimulado. No Brasil, os estados e municípios ganharam maior autonomia quanto às suas políticas de saúde, a partir da década de 80, com a criação do SUS, o que possibilitou alguns experimentos na área.

Recentemente aprovado, o uso dessas práticas complementares levanta questões quanto a sua eficiência e até mesmo a relevância de sua aplicação. Para melhor abordar o tema, o Olhar Vital convidou Carla Holandino, professora disciplina de Farmacotécnica Homeopática da Faculdade de Farmácia (FF/UFRJ) e Nancy Barbi, professora e doutorada em Química de Produtos Naturais pela UFRJ, possibilitando esclarecimento quanto à segurança e sucesso de tais procedimentos.

Carla Holandino

Professora da Faculdade de Farmácia da UFRJ

“A homeopatia já é uma medicina bastante tradicional — tem mais de 200 anos. Ela trabalha mais de uma forma complementar à alopatia, ou pode até mesmo substituí-la. É uma grande vantagem ter a homeopatia no Sistema Único de Saúde (SUS). É mais uma opção para a população. O acesso a diferentes tipos de tratamento é um direito de todos.

O tratamento em si é muito interessante. Na maioria das vezes, é muito mais barato e os efeitos colaterais são, em geral, insignificantes. A implantação da técnica no SUS representa uma possibilidade da população em geral ter acesso a medicamentos de qualidade. Para o governo, é interessante pois, em relação aos medicamentos alopáticos, o custo dos remédios homeopáticos é bem menor.

Além disso, a própria abordagem terapêutica na homeopatia é diferente. O médico homeopata trata do indivíduo como um todo, enquanto na medicina ortodoxa o paciente é fragmentado em órgãos. Se o problema é cardíaco, trata-se o coração. Na homeopatia, não. O problema pode ser cardíaco, mas o médico homeopata trata o indivíduo de uma forma geral.

Se a política for implementada realmente, uma série de ações devem ser tomadas pelo governo. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) prevê, por exemplo, que devem ser criadas farmácias homeopáticas e consultas de médicos homeopatas no SUS.

Existe ainda, hoje em dia, um preconceito muito grande em relação à homeopatia. De fato, não conhecemos muito a respeito de muitos medicamentos homeopáticos, do ponto de vista químico, do funcionamento do remédio. Porém, não podemos fechar os olhos diante da eficácia da técnica. A homeopatia funciona em seres humanos, em animais, em culturas de células, entre outros. O principal respaldo que temos é o fato dela funcionar em diversos organismos vivos.

Existem várias hipóteses a respeito do mecanismo de ação dos medicamentos. Contudo, ainda não temos provas contundentes de como isso ocorre. Por isso, muitos afirmam que não passa de efeito sugestivo. Mas e o cão? A planta? Hoje já temos o chamado boi verde, que é tratado por meio da homeopatia, o que exclui a idéia de efeito meramente sugestivo.

A entrada da técnica no SUS vai fomentar uma série de iniciativas. É necessário uma maior divulgação. Temos diversos trabalhos na literatura que apresentam as evidências dos resultados da homeopatia. Com o tratamento sendo utilizado pelo SUS, todos poderão ter mais acesso a esse tipo alternativo de terapia.

A Política prevê não só a mera implantação das terapias no SUS. Também estão previstos incentivos na área de pesquisa, nas Universidades. O governo vai precisar fomentar a pesquisa científica na área e tirar a homeopatia do campo fenomenológico ou de placebo.

Apesar de a PNPIC ter sido implantada, não considero o SUS preparado. Acho que ainda não existe demanda. Há pouco tempo vi uma pesquisa do mapeamento de farmácias homeopáticas e o número é muito pequeno. Para dar certo, vamos precisar de mais trabalho. Aqui, na UFRJ, já representamos uma bandeira na manipulação de terapias, tanto fitoterápicas, quanto homeopáticas. Tudo isso é importante, pois é preciso um trabalho também nas Universidades, para a formação de pessoas abalizadas, mas acho que aos poucos estamos caminhando e a Portaria 971 já é um primeiro passo”.


Nancy Barbi

Professora e doutorada em Química de Produtos Naturais pela UFRJ

“Cerca de 82% da população brasileira utiliza plantas medicinais para tratar diversos tipos de doenças.  A grande maioria não tem recursos financeiros e dependem do SUS para a aquisição de medicamentos ou buscam nas plantas medicinais uma forma alternativa de tratamento. 

Entretanto, a maioria da população não tem conhecimento das informações necessárias para a utilização adequada de plantas medicinais. Essa falta de informação muitas vezes leva à diminuição ou ausência na resposta terapêutica. Da mesma forma que os fármacos sintéticos, as plantas medicinais e os produtos fitoterápicos apresentam contra-indicações, reações adversas e interações medicamentosas, necessitando de orientação para o seu uso. 

Acredito que a aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS pelo Ministério da Saúde, em 2006, possibilitará que essa população tenha acesso às plantas medicinais e fitoterápicos de forma mais criteriosa, sob orientação de profissionais especializados, buscando atingir o máximo de segurança e eficácia, além da aquisição a baixo custo.  Em países como a Alemanha, onde a prática da fitoterapia é intensa, os fitoterápicos estão incorporados aos sistemas de saúde.

Vários medicamentos utilizados na medicina ortodoxa são derivados de plantas.  Segundo dados de 1985 (portanto, mais de 20 anos atrás), dos 119 medicamentos mais utilizados no mundo, 90 eram provenientes de espécies vegetais. Vários dos fármacos, os princípios-ativos dos medicamentos, são de origem natural. Para que se possa ter uma idéia, cerca de 78% dos fármacos com atividade antibacteriana são derivados de produtos naturais. A vincristina e a vimblastina, utilizadas amplamente no tratamento da leucemia, foram obtidas da espécie Catharanthus roseus. A digoxina, um glicosídeo cardiotônico, foi isolada da Digitalis purpurea

 Várias plantas nativas do Brasil ou aclimatadas já foram investigadas cientificamente e tiveram suas propriedades farmacológicas avaliadas. Ao observar-se o perfil de doenças com maior prevalência na população brasileira, verifica-se a possibilidade da utilização de várias espécies no tratamento dessas patologias. 

Não se deve negligenciar que, ao serem utilizadas como terapia complementar, as plantas medicinais podem interagir com alguns fármacos modificando a resposta terapêutica.  Portanto, é preciso cautela, pois as drogas vegetais e os fitoterápicos são medicamentos e devem ser tratados como tais. Os profissionais de saúde e áreas afins deverão receber treinamento de forma a se mostrarem capacitados na prática fitoterápica e devem ser supervisionados pelo médico responsável.

A respeito da resistência de médicos sobre a implantação da terapia, como ocorreu em São Paulo, acredito que diante das circunstâncias e evidências científicas tão amplamente divulgadas na literatura especializada, não há mais espaço para esse tipo de pensamento.  Como já mencionado anteriormente, muitos dos fármacos utilizados na medicina ortodoxa são derivados de plantas sem que a maioria dos médicos saiba da sua origem. Além disso, é obrigação do médico perguntar ao paciente sobre a utilização de plantas medicinais ou fitoterápicos, tendo em vista as evidências de interações significativas de fármacos sintéticos e substâncias presentes em diversas plantas usadas na medicina como, por exemplo, o Hypericum perforatum (erva-de-são-joão), prescrito no tratamento da depressão”.