• Edição 088
  • 5 de julho de 2007

Por uma boa causa

Formigas podem ser vetor de risco

Julianna Sá

A ocupação espacial no Brasil se deu de forma desordenada. Vindo do campo, o homem se estabeleceu nas cidades irregularmente, tomando territórios não contemplados por políticas públicas de higiene e saúde e até mesmo de meio ambiente. Com isso, a proliferação de pragas urbanas passou a configurar um problema de saúde pública.

Pensando nisso, as matérias do mês de julho da editoria Por uma boa causa tratam dos malefícios trazidos pelos insetos no convívio humano. A abordagem pretende apresentar de que forma os insetos sociais podem afetar não só a rotina e a organização do homem, mas a sua saúde, principalmente. Para abrir a série, as formigas, um dos insetos mais presentes no cotidiano domiciliar.

Pequenas e presentes em toda a parte, as formigas vivem em íntima associação com o homem, sendo, dentre os insetos sociais, o que mais se adaptou às condições urbanas. Apesar de sua grande maioria ser benéfica à natureza, quando ocupam espaços domiciliares, as formigas passam a representar um verdadeiro incômodo. Porém, é preciso contextualizar o título de praga, recebido por esses insetos.

– No ambiente natural as formigas não representam pragas. Elas passam a ter tal conceituação a partir do momento que o homem começa a utilizar os recursos naturais. Na lavoura, por exemplo, o homem classifica como praga os organismos que vão contra seus interesses, ou seja, prejudicam as colheitas, interferem nas criações, entre outras coisas. Trazida a questão para o ambiente peridomiciliar e domiciliar, a partir do momento em que esses animais, principalmente os insetos, e especificamente as formigas, começam a invadir essas áreas à procura de recursos, competindo com o homem, eles passam a configurar como praga urbana – explica Roberto Eizemberg, doutorando do Programa de Pós-graduação em Química Biológica, mas que mantém vasto estudo de interesse pessoal em formigas.

Dentre os fatores que propiciam a presença das formigas nos lares é possível destacar a grande disponibilidade de abrigo e alimento nesses locais. Algumas espécies são mais comuns nos ambientes urbanos, dividindo espaço com o homem, como a Tapinoma melanocephalum, mais conhecida como formiga-fantasma, a Paratrechina longicornis, denominada formiga-louca e a Monomorium pharaonis, chamada de formiga-do-faraó, dentre outras.

– Um exemplo dessas formigas domésticas, principalmente na região do Rio de Janeiro, é a formiga-fantasma - Tapinoma-melanocephalum. Ela é caracterizada por ser bem pequena e ter a cabeça preta. A imagem registrada foi feita dentro do laboratório onde atuo, o que ilustra a ocupação bastante variada por esses insetos – destaca Roberto Eizemberg.

Os efeitos desse convívio podem ser diversos, tendo conseqüências diretas ou indiretas ao homem. No âmbito da saúde humana, além de algumas formigas causarem pequenas alergias nos indivíduos picados, o que poucos sabem é que elas podem portar em seu corpo inúmeras bactérias, fungos, ácaros, vírus entre outros microorganismos nocivos ao homem. Através do transporte de sujeira, as formigas domésticas, que transitam em diferentes ambientes de uma residência, podem depositar nos alimentos, por exemplo, tais microorganismos.

Alguns estudos realizados em São Paulo, estado que centraliza as pesquisas na área, revelam que em hospitais as formigas podem ser as responsáveis pela dispersão mecânica de infecções hospitalares. Como um patógeno, o Staphylococcus aureus é o maior responsável pela mortalidade de pacientes. As infecções que podem ser produzidas por ele incluem bacteremia, pneumonia, osteomielite, endocardite aguda, entre outras.

Porém, estudioso da área, Roberto Eizemberg chama atenção para um fato: “É importante lembrar que muitas formigas produzem em suas glândulas meta-pleurais substâncias antibióticas que servem para manter imunizadas suas colônias, assim como seus corpos, do ataque de agentes patogênicos.” Isso representa para a formiga, além da proteção, seu modo de higienização, o que poderia preveni-las contra os organismos maléficos à saúde.

Outro efeito da presença massiva dessa praga pode ocorrer sobre o meio na qual se instala. Segundo estudos realizados por Roberto Eizemberg, de orientação magnética em insetos sociais, algumas espécies de formigas são atraídas por ondas elétricas ou magnéticas. Nesse caso, torna-se comum a construção de ninhos por esses insetos no interior de aparelhos elétricos domésticos, podendo ocasionar curto-circuito com perda permanente do funcionamento. Outras formas de intervenção nas atividades humanas e até mesmo nas atividades científicas podem ser ameaçadas por esses pequenos insetos.

– Aqui no Laboratório de Bioquímica de Insetos, alguns experimentos acabam contaminados por formigas. No caso da formiga fantasma (Tapinoma melanocephalum) como criamos insetos, elas têm um papel predador, destruindo as colônias que estudamos, pois no meio natural é assim, predando, que elas encontram alimento. Porém, elas são importantes quando, de certa forma, agem como controladoras biológicas para outras pragas – destaca Eizemberg.

No caso do combate à formiga domiciliar, uma questão muito importante a ser observada é a higiene. O melhor jeito de combater a formiga urbana é não a alimentando, não fornecendo recursos que favoreçam sua sobrevivência.

– Deve-se ter cuidado em não deixar restos alimentares na mesa, na cozinha, e também não manter lixeiras nos quartos, para evitar essa convivência. O cuidado deve ser acentuado no controle dos restos alimentares. Porém, reconheço que não é tarefa fácil, já que caspas, restos de pele, entre outras coisas, já servem de comida para as formigas – adverte Roberto Eizemberg.

Controle cauteloso

Com relação ao controle de sua proliferação, existe uma enorme gama de inseticidas e substâncias tóxicas utilizadas no combate às formigas, inclusive algumas não tão agressivas, como produtos caseiros. No entanto, é imprescindível a verificação das substâncias químicas utilizadas junto ao técnico responsável por esse tipo de indicação. “O que se deve saber é que eles são, geralmente, tóxicos, interferindo na saúde humana. Seu uso deve ser com bastante restrição e cautela” – previne o doutorando.

Também é importante ter bom senso nesse combate, já que no campus da UFRJ o pesquisador identificou uma espécie em extinção.

– Aqui na UFRJ nós temos a Atta robusta - saúva preta -, que está sofrendo processo de extinção. Cheguei a intervir num combate a ela porque há riscos dela desaparecer. Ela é uma formiga cortadora de folhas, mas é pouco agressiva. Os locais onde não têm essa A. robusta são ocupados pela Atta sexdens, que é a saúva limão, oferecendo maiores problemas. A saúva preta atua de modo tênue, utilizando somente as folhas caídas ou gramas. Já a saúva vermelha destrói as plantas, e é considerada até mesmo como uma praga agrícola, provocando graves prejuízos – encerra Roberto Eizemberg.

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