• Edição 087
  • 28 de junho de 2007

Faces e Interfaces

Ministro da Saúde negocia reabertura da emergência do Hospital do Fundão


Stéphanie Garcia Pires

O ministro da Saúde José Gomes Temporão está negociando com o diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF / UFRJ), professor Alexandre Pinto Cardoso, a reabertura da emergência da unidade até o final desse ano. Em contrapartida o ministro adiantou que a emergência do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) deverá ser fechada.

A iniciativa, embora seja de um atendimento de forma regulada, tem repercutido em interpretações diversas e grandes polêmicas no quadro funcional do HUCFF. A proposta é para que a emergência receba apenas pacientes vindos de ambulância do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ou encaminhados por outras unidades hospitalares.

Segundo Temporão, para que a emergência do Fundão volte a funcionar, será necessário o apoio de postos de saúde de pronto-atendimento, como o recém-inaugurado na Favela da Maré, além de outro na Ilha do Governador, mas para Alexandre Pinto Cardoso, e o chefe do serviço de Emergência da unidade, só isso não basta, é preciso muito mais, como por exemplo, investimento em equipamentos, pessoal e estrutural do HUCFF.

A emergência do HUCFF deixou de funcionar para a demanda espontânea da população, em 1992 e, desde então, este serviço ficou restrito ao atendimento de pacientes já em tratamento no hospital e a comunidade da Ilha do Fundão, em circulação no campus.

Alexandre Pinto Cardoso

Diretor Geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho


“O sistema de saúde no Brasil, embora formulado corretamente, sofre com problemas funcionais, ou seja, as unidades básicas de atendimento, os postos de saúde não funcionam direito. Então, a população que não consegue ser atendida nesses locais, acaba piorando gradativamente seu estado de saúde e vai parar nas emergências. A superlotação dessas áreas leva o governo a buscar alternativas rápidas, mesmo que não eficazes. Um exemplo é o Hospital Geral de Bonsucesso, que foi pressionado pelo governo a abrir sua emergência e hoje vive o caos, sufocado com uma demanda de pacientes que não consegue atender. O Ministério da Saúde fez uma proposta semelhante para nós, mas se for para repetir o erro de Bonsucesso, não aceitarei.

É passada a idéia de que abrir a emergência aqui vai contribuir para a melhoria da saúde da população, mas não vai. O HUCFF pode passar a atender mil pacientes na emergência, e ainda assim não resolverá o problema. Entendo que temos que ser e, de fato, somos solidários com a rede pública de saúde, recebendo os casos que outros hospitais não têm estrutura para resolver. Mas a emergência em si não é nosso perfil, não é nossa porta de entrada principal. Por isso, de forma alguma é cogitada a possibilidade de abrir a emergência para o público geral.

O que acontece hoje é que muitos pacientes chegam aqui por falta de atendimento nos hospitais públicos das regiões em que moram. E depois, não querem voltar para o seu lugar de origem, prolongando o tratamento porque sabem da dificuldade de atendimento da rede pública. Isso é o reflexo de um problema do sistema geral de saúde que repercute aqui, e o HUCFF vai inchando, as filas internas vão aumentando.

Somos contratualizados com o Sistema Único de Saúde (SUS) e cumprimos suas determinações. Se temos uma meta de 20 mil consultas por mês, fazemos até mais que isso. A tendência é que o HUCFF seja uma unidade de referência na região e nos empenhamos neste sentido.

Temos 21 salas de cirurgias, sendo 14 para procedimentos complexos e sete ficam restritas a casos mais simples por falta de equipamentos. Dos 500 leitos existentes no Hospital, 24 ficam a disposição da rede pública. Se as vagas no hospital de Bonsucesso acabam, por exemplo, os doentes podem ser enviados para cá.

O que o Ministro da Saúde quer é operacionalizar essas transferências. Mas, primeiro, preciso que o governo me conceda as condições adequadas para este fim. Caso contrário, é uma irresponsabilidade política, administrativa e de saúde que eu aceite abrir a emergência, mesmo que referenciada, do Hospital Universitário.

Pretendo manter a boa qualidade que temos aqui, de baixos índices de mortalidade e de infecções hospitalares. Portanto, aceitar este projeto do Ministro, necessariamente remete a um impacto triplo: mais médicos, mais equipamentos e a elaboração de um termo aditivo no contrato de gestão entre o HUCFF e o governo. O espaço hospitalar deve ser modernizado, pois para receber pacientes em estado grave, os leitos comuns de enfermagem não são suficientes. Precisaríamos de mais leitos para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), cuja manutenção é cara. Só para dar uma idéia, cada um desses leitos requer pelo menos quatro funcionários para o monitoramento adequado dos pacientes. E claro, o bom funcionamento da emergência depende da aquisição de mais equipamentos. Porque, atualmente, nossos aparelhos para efetuação de exames já estão sobrecarregados.

A verba tem que aumentar proporcionalmente à ampliação do serviço de emergência. Hoje, o HUCFF recebe um financiamento limitadíssimo do Ministério da Educação (MEC). O argumento é que se um programa é prioritariamente assistencial, e não educacional, então deve ficar sob a responsabilidade do Sistema Único de Saúde. E a própria verba do SUS é pouco flexível. O hospital não pode usá-la indiscriminadamente e outras rubricas. Por isso, nos esforçamos para não nos limitar a esse dinheiro e aumentar o faturamento com o capital proveniente dos convênios particulares, por exemplo.

O pensamento geral é esse. O Hospital Universitário tem suas exigências claras e bem definidas para permitir o processo de abertura referenciada mais ampla do serviço de emergência. E somente assim aceitarei o acordo. Se o Ministro da saúde estiver disposto a nos atender, tudo bem”.

Marcos Freire

Chefe do Serviço de Emergência do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Compreender as condições atuais da área de emergência do Hospital Universitário é fundamental para pensar as exigências que não podem ser descartadas em caso de se aceitar o projeto do Ministro da Saúde.

O serviço de emergência daqui, também chamado de serviço de intercorrências clínico-cirúrgicas, atualmente, tem o objetivo de atender pacientes que já são acompanhados regularmente aqui no Hospital Universitário e que estão inseridos em algum programa, a exemplo da DIP (doenças infecciosas e parasitárias) e dos diversos programas de transplantes. O perfil deste hospital é poder atender os pacientes em todas as etapas, inclusive aqueles que deveriam ter sido recebidos em outras unidades públicas de saúde, mas que não têm estrutura adequada a casos de alta complexidade, em que coexistem múltiplos diagnósticos.

Um grande problema da rede pública de saúde é que as áreas de emergência ficam lotadas, mas a maior parte das pessoas que estão ali não são casos urgentes de fato. E isso acontece principalmente porque não há critérios de seleção. Para contornar o problema, o Hospital Universitário dispõe do ambulatório, para o atendimento regular, e da triagem – o setor que recebe a maioria dos pacientes externos e regulares. Se o caso é simples, ele pode ser solucionado ali mesmo, com a prescrição de alguma medicação ou a efetuação dos exames necessários. Caso contrário, o paciente é encaminhado para a emergência, com prontuário indicando o resumo do seu quadro de saúde e sugestões de diagnósticos. O ambulatório e a triagem funcionam como verdadeiros filtros para evitar que seja sobrecarregado o serviço de emergência, que é proporcionalmente pequeno perante a demanda.

Outro problema é a desorganização. Apesar de o Rio de Janeiro dispor de inúmeros hospitais públicos, há uma deficiência nos atendimentos a níveis primário e secundário. Então, as pessoas não conseguem um atendimento adequado e são impedidas a recorrer às emergências, mesmo para casos simples, como uma criança com diarréia. Muitos políticos observam isso superficialmente e ficam com a idéia de que a solução é abrir mais emergências, mas nem de longe o problema será resolvido desta forma.

Um caminho pode ser providenciar complexos menores, como o PAM – posto de atendimento médico – e dar a eles uma estrutura mínima para ambulatório, consultas, exames complementares. Assim, o paciente pode sair dali com um diagnóstico parcial e ser encaminhado para os locais ideais de tratamento de sua doença, antes que isso se agrave e ele acabe na emergência.

Outra alternativa, que nossa equipe já está propondo nas esferas políticas, é a construção de um Centro de Trauma na Ilha do Fundão, em parceria com o Hospital Universitário. O Rio de Janeiro se beneficiaria bastante disso, o Brasil também. E isso é uma das mais freqüentes causas de morte atualmente nas salas de emergência. Uma estimativa revela que grande parte desses óbitos seriam evitáveis caso tivessem sido tratados em um espaço adequado para trauma.

Além dos filtros para selecionar os casos verdadeiramente urgentes, é necessário uma “boca larga” para a saída, que permita a drenagem dos pacientes. Leitos de retaguarda são indispensáveis e a falta disso é um dos problemas enfrentados em hospitais com grande movimento de emergência. O ideal é o paciente chegar, fazer os exames indicados, e, assim que seu caso for diagnosticado, que ele seja tratado. Mas o enfermo precisa ter um destino depois disso. Às vezes ele deve ficar em observação e ser internado, por isso a necessidade destes leitos, para permitir a rotatividade que as emergências requerem. O adequado é que a quantidade de leitos de retaguarda sejam 10% do número total de leitos do hospital. Infelizmente isso não ocorre. Aqui no HUCFF, temos metade do ideal para um bom funcionamento.

Voltando a proposta do Ministro da saúde, é fato que a abertura da emergência para a demanda espontânea é inviável e, por isso, está fora de cogitação. Porém, abrir uma referência com outras unidades é possível, desde que seja providenciado o suprimento das carências daqui. A começar pela ampliação da equipe médica, especialmente plantonistas clínicos, além de plantonistas da nutrição e do serviço social. A emergência precisa de profissionais da saúde disponíveis 24 horas para atender seus pacientes. O reforço da equipe administrativa também é importante. Por exemplo, estamos sem vigilante na parte do dia. Sem esquecer, é claro, da exigência de mais leitos de retaguarda e de equipamentos – monitores cardíacos, respiradores, entre outros.

O projeto é viável, desde que seja de forma organizada, programada, satisfazendo as exigências para um funcionamento pleno. Porque não adianta querer ampliar a referência para o atendimento na emergência, sem que ela esteja devidamente estruturada”.