• Edição 084
  • 06 de junho de 2007

Microscópio

Saúde pública em debate

Julianna Sá

Financiamento insuficiente e gestão hospitalar. Esse é um binômio de complicada resolução para uma atuação competente e eficaz das atividades médicas no Brasil. Os procedimentos desenvolvidos em um hospital, sendo ele público e, mais ainda, sendo ele universitário, exigem políticas públicas adequadas às necessidades específicas para que este, por sua vez, possa exercer suas funções com comprometimento. A atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), como um meio de atuação política na saúde, é regular esse sistema complexo e ainda falho, quase sempre alvo de críticas.

No entanto, é preciso entender que, mesmo com verbas limitadas e dificuldades na gestão, a atuação do SUS é essencial para que não só o trabalho médico seja desenvolvido, mas, no caso de um hospital universitário, possa-se desenvolver também com qualidade o ensino médico.

- Hoje a articulação com o Sistema Único de Saúde é de fundamental importância para o ensino médico. Devo dizer que praticamente de 70% a 80% das verbas de custeio de um Hospital Universitário como o nosso são provenientes do recurso SUS por prestações de serviços que esse Hospital faz com o Ministério da Saúde, através desse órgão – explicou Alexandre Pinto Cardoso, diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).

Isso significa que, através de um contrato que reconhece o Hospital Universitário como uma instituição de ensino e pesquisa, destina-se uma remuneração para custeio dos gastos que é feito pelo SUS. Hoje esse repasse é pactuado da seguinte maneira: determinado valor é direcionado para gastos de procedimentos de média complexidade e outro para procedimentos de alta complexidade, constituindo fundamentalmente os recursos recebidos pelo HU.

Há outros modos de captação de recursos adicionais como, por exemplo, os recursos interministeriais. Como o próprio nome diz, são recursos apropriados pelo ministério da Saúde, MEC, entre outros, que também auxiliam, seja para custeio, seja para equipamentos. Além disso, ao Fundo Nacional de Saúde é possível solicitar equipamentos novos para o Hospital. "Isso é uma concorrência, nós entramos, fazemos uma justificativa acadêmica e concorremos com Hospitais de todo o Brasil. Às vezes conseguimos, às vezes não. Deste fundo veio a ressonância nuclear magnética, por exemplo, que ora está em processo de implementação" , exemplificou o diretor.

Recursos muito menores do que esses são as cotações orçamentárias oriundas do parlamento, que são verbas aprovadas pelos deputados. Segundo o professor Alexandre Pinto, o impacto nesse caso é pequeno, mas é uma fonte que também ajuda. "Recentemente, por conta desses recursos, conseguimos construir as instalações do Programa de Atendimento Domiciliar". E naturalmente, por fim, o MEC paga parte da força de trabalho referente ao salário dos professores e médicos contratados.

A questão de pessoal também é um grande problema, não só no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas em todo o país. Segundo dados, há uma carência de cerca de 12 mil funcionários para hospitais universitários no Brasil.

– Temos um quadro funcional importante, mas que envelhece e não é possível renovar essa força de trabalho na medida na qual necessitamos. Novas áreas de conhecimento surgem. Há trinta anos, quando o hospital foi criado, a importância da informática na saúde era uma, hoje é outra. Temos que lutar para poder readaptar a capacidade instalada para isso. Surgem novos cursos, novos segmentos, novos procedimentos e não conseguimos acompanhar isso. Por essa razão é que necessitamos de um quadro extra de funcionários, o que significa também gastos extras – declara o diretor.

Esses são fatores que dificultam ainda mais um equilíbrio entre gestão e financiamento. Embora sejam partes de um mesmo governo, os Ministérios atuam de maneiras diferentes o que causa certa diferença no que diz respeito aos hospitais públicos e os hospitais universitários. Os do Ministério da Saúde são orçamentários, ou seja, eles recebem verba pré-determinada todo ano para poder custear os gastos. No hospital universitário o sistema é contrário, é preciso trabalhar para receber a verba, o que diferencia o mecanismo de gerência. "O único Hospital universitário que orçamentado é o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que recebe dinheiro do Tesouro, além de ter os recursos de prestações de serviço do SUS e por isso são um primor, obviamente, já que eles tem os recursos necessários pra trabalhar", complementa Alexandre Pinto Cardoso.

As verbas, reduzidas, aumentam ainda mais o desinteresse na já pouco atraente carreira administrativa. "Não temos repercussão de estimulo de nenhuma ordem, nem financeira", explica o diretor. Por isso o esforço para readaptar a capacidade instalada é muito grande. Hoje, na UFRJ, 18 pessoas estão fazendo MBA pago pelo próprio Hospital Universitário e todo ano esse grupo é renovado.

Para reduzir as dificuldades de gestão e da atividade médica o Ministério da Saúde está propondo aos Hospitais uma nova formatação do Aparelho do Estado e, segundo o diretor do HUCFF, é preciso discutir sem se desvincular da universidade e sem descaracterizar uma administração pública, como é possível melhorar o desempenho. "O problema é que hoje o MEC vive uma situação ambígua. Muitos do MEC entendem os hospitais universitários como despesas e não como investimento", encerra Alexandre Pinto Cardoso.

Para melhor tratar essa discussão, de 6 a 8 de junho acontece o XI ENEM (Encontro Nacional das Entidades Médicas) no Distrito Federal. Médicos de todo o país, lideranças da Associação Médica Brasileira (AMB), do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), da Frente Parlamentar da Saúde, deputados e senadores, além dos ministros da Saúde e Educação, José Gomes Temporão e Fernando Haddad, respectivamente, debatem sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). O financiamento e a gestão da saúde pública no Brasil constituem o ponto central do encontro que pretende estender a discussão não só para a classe médica, mas para toda a sociedade.