• Edição 080
  • 10 de maio de 2007

Faces e Interfaces

Camisinha: incentivo ao uso gera polêmica

Julianna Sá e Isabella Bonisolo da Agência UFRJ de Notícias – Praia Vermelha

As campanhas de incentivo ao uso da camisinha quase sempre obtêm aprovação popular, tendo a participação de inúmeras celebridades, o que permite maior visibilidade à causa. Exceto representações de instituições religiosas, como a Igreja Católica, formalmente contrária ao uso de preservativos, não é comum observar oposição à prática sexual segura.

No entanto, a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, junto às políticas governamentais que visam ampliar a distribuição do preservativo em escolas públicas, reacende a discussão: Campanhas em prol do uso da camisinha representam um convite à iniciação da vida sexual, ou a omissão à prática do sexo entre jovens é que configura, de fato, um problema à sociedade?

A maior rejeição, por conta dos pais, é por acreditarem que essa tarefa não é da competência escolar, fazendo com que a campanha que objetiva impedir a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens, além de tentar diminuir a ocorrência da gravidez precoce, seja alvo de críticas. Porém, estima-se que a aprovação foi superior, principalmente entre os próprios beneficiados - os estudantes -, e o próprio governo já estuda meios para atingir a meta de distribuição do preservativo, que é de 100 milhões para a faixa etária de 13 a 24 anos.

Para comentar a questão que é novamente posta em pauta, o Olhar Vital conversou com a pediatra, que atua na área de adolescência, Maria de Fátima Goulart Coutinho, do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ) e presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro e com a professora de Orientação e Treinamento em Saúde Reprodutiva,Luciana Zucco, do Núcleo de Saúde Reprodutiva e Trabalho Feminino da Escola de Serviço Social da UFRJ.

Maria de Fátima Goulart Coutinho

Pediatra do IPPMG e presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro

“Muitas pesquisas já foram feitas e trabalhos internacionais já comprovaram que campanhas desse tipo, que pretendem reduzir a transmissão de doenças sexuais e a gravidez na adolescência através do uso de preservativos, têm, em geral, resultados positivos. Alertar para a importância do jovem se prevenir e se cuidar costuma retardar o início da vida sexual deles e não adiantá-la. Isso porque a distribuição não ocorre sozinha, mas acompanhada do alerta quanto aos riscos do sexo sem segurança.

Inclusive, se observarmos bem, o adolescente que solicita a camisinha é aquele que já tem alguma experiência sexual, não o que ainda não se relacionou com ninguém. Trata-se de uma hipocrisia pensar uma atitude de alerta e de prevenção que visa instruir, como uma forma de incentivo ao sexo. A distribuição da camisinha é totalmente salutar a esses jovens, inclusive porque a prática sexual quase sempre se inicia sem o preservativo. O jovem acaba tendo suas primeiras experiências sem se prevenir, sem se preocupar com isso.

A distribuição da camisinha é importante e necessária não só para exercer a função educativa, mas também para oferecer oportunidade ao jovem de se cuidar. É pretensão achar que através de educação é possível frear a atividade sexual daqueles que já tiveram relações com outros parceiros. Dificultar o acesso ao preservativo só aumenta o risco de contração de doenças desses jovens.

Quanto à idade para iniciar esse processo de alerta, não há um número definido nem pré-estipulado. Preferencialmente, a distribuição do preservativo deve ser feita aos que já iniciaram suas atividades sexuais, mas o alerta deve ser feito a todos. O que se pretende é orientá-los através de informações a respeito do sexo seguro e da possibilidade de adquirir alguma doença ou de engravidar cedo demais e, desse modo, tentar evitar que pratiquem sexo precocemente, mas não podemos negar, de forma alguma, assistência e, no caso, a camisinha. Se a queixa é justamente o fato deles não se prevenirem, não podemos colaborar com isso. Se a opção dele foi feita o que resta é instruí-lo sobre como se cuidar.

A adolescência é permeada por uma série de rebeldias, contestações, além da idéia de onipotência que o jovem tem. O pensamento gira sempre em torno do "isso não vai acontecer comigo". Além disso, dificilmente o jovem aprende a se programar ou organizar as situações em sua vida; elas simplesmente acontecem. É uma característica dessa fase, então o que podemos fazer é dar meios para a prevenção. O jovem que tem a auto-estima trabalhada, por exemplo, tem mais cuidado no que tange o uso de preservativos.

Não é somente aumentar a distribuição, tampouco só informá-los. Esses fatores não se isolam. A instrução é importante, mas não tem efeito se não vier acompanhada do acesso à camisinha, que é o que vai proteger o jovem, de fato.”

Luciana Zucco

Professora de Orientação e Treinamento em Saúde Reprodutiva da Escola de Serviço Social

“Quando o Estado reconhece um problema como uma questão de saúde pública, é possível que ele faça uma intervenção. A iniciativa de se distribuir camisinhas nas escolas é um dos projetos do Programa de Saúde do Adolescente, o PROSAD, que articula a saúde preventiva com a política educacional. Eu sou a favor da distribuição de camisinhas, mas isso deve ser feito articulado com a orientação sexual.

É preciso que se desencadeie entre os jovens um processo de reflexão. As escolas hoje já não funcionam como antes, é preciso falar sobre gravidez, sobre AIDS e também sobre violência, por exemplo. No Rio de Janeiro existem duas leis que regulamentam essa questão: uma trata da capacitação dos professores e a outra a implementação.

Toda essa discussão foi potencializada neste momento pela vinda do Papa, porém é preciso tomar cuidado porque as pessoas acabam muitas vezes se ligando emocionalmente e a reflexão sobre questões como camisinha, aborto e AIDS ganham um tom religioso e até mesmo filosófico. Se isso acontece, essas questões perdem o caráter de saúde pública e passam a ser tratadas como assuntos secretos, de forma obscura.

A Igreja está defendendo que esta questão deve ser tratada dentro das famílias. O problema é que às vezes a própria família não tem condições de fazer essa discussão. Basta observar o número de mulheres casadas que estão infectadas com o vírus da AIDS. Quando o Ministério da Saúde coloca essa questão como caso de saúde pública se amplia a discussão, que deixa de ser de responsabilidade apenas da família.

O que é previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei diz que o Estado é responsável por garantir saúde e educação. Não se pode fechar os olhos. Está havendo uma feminização e uma juvenização da AIDS. A distribuição de camisinha não é promiscuidade, mas defendo que paralelo à distribuição da camisinha é necessário lembrar que os adolescentes devem receber orientação de profissionais. Caso contrário o objetivo não estará sendo atingido”.