• Edição 075
  • 12 de abril de 2007

Faces e Interfaces

Teoria da evolução das espécies excluirá humanos “feios”?

Priscila Biancovilli e Isabella Bonisolo, da Agência de Notícias - Praia Vermelha

Um trabalho publicado pela revista científica Heredity, do grupo da revista Nature, levantou uma polêmica que há muito tempo não era pensada: se homens e mulheres tendem a escolher parceiros bonitos, por que ainda existem feios no mundo? O estudo afirma que isso acontece porque um gene que causa mutações no nosso genoma costuma vir unido a outros ligados a características que apreciamos, como a beleza. Ainda segundo este estudo, de Marion Petrie e Gilbert Roberts, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, a evolução não é um mecanismo tão simples assim. Se toda seleção tende a diminuir as diferenças entre determinada espécie, por que ainda não somos um grupo homogêneo de indivíduos?

Para discutir estas questões e outras, como a relatividade da beleza, a influência da cultura neste conceito e a forma como as mutações genéticas (boas e ruins) podem transformar os seres humanos, conversamos com o professor Carlos Schrago, do Departamento de Genética da UFRJ, e com a professora Mirian Goldenberg, do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia e do Departamento de Antropologia Cultural – IFCS/UFRJ.


Carlos Schrago

Professor do Departamento de Genética da UFRJ

“Um conceito universal de beleza é algo necessariamente subjetivo. Alguns estudos já tentaram relacionar diversas medidas de simetria corporal com a beleza, com intenção de obter uma definição objetiva do belo, uma definição biológica da beleza. Entretanto, sabemos que a idéia de beleza é profundamente influenciada pela cultura e, mais ainda, ela varia no tempo. Ora, quantas vezes nos deparamos com imagens de pessoas em outras décadas e nos divertimos com seus penteados e roupas? É curioso pensar que, naquela época, aquilo era considerado belo! Outro caso contrastante é o das mulheres Padaung de Mianmar, que adicionam anéis no pescoço ao longo da vida, tornando-se belas aos olhos dos homens de sua tribo, mas feias para a maioria dos outros povos. Hoje, a mídia tem um papel importante no estabelecimento de padrões de beleza. Se esses padrões podem ser estabelecidos e, além disso, mudam geograficamente e temporalmente, somos levados a crer na inexistência de um conceito universal de beleza.

A idéia de que qualquer espécie é resultado apenas de mutações genéticas é incompleta e tem gerado muitas interpretações incorretas da evolução. Embora as mutações, que são fundamentalmente aleatórias, ofereçam a matéria prima do processo evolutivo; a permanência destas nas espécies, na maioria das vezes, depende da ação da seleção natural, que é uma força determinista. Então, nenhuma espécie é resultado somente de mutações genéticas, de forma desordenada. As mutações sempre ocorreram e continuarão a ocorrer em qualquer espécie, pois o material genético não se replica com fidelidade. Quando os erros ocorrem em células germinativas, eles podem passar para a geração seguinte. As mutações podem ser percebidas em todo lugar!

O termo “mutação” tem sido associado a algo necessariamente ruim pela mídia. De fato, a maioria das mutações é prejudicial ao indivíduo que a possui. Entretanto, grande parte da variação que observamos nos humanos é conseqüência de mutações. Por exemplo, os grupos sanguíneos e a cor dos olhos são variações oriundas de mutações. Sem mutação não há diversidade. Estas mutações ocorrem por erros na replicação da molécula de DNA. Esses erros podem ser causados por troca de nucleotídeos, por deslizes da enzima responsável pela replicação, ou por agentes externos, como raios UV. Entretanto, as células possuem um sistema de reparo desses erros, que funciona ativamente. Esse sistema de reparo é composto por um conjunto de enzimas que, por sua vez, também são codificadas pelo DNA. Portanto, mutações em genes que expressam essas enzimas do sistema de reparo têm o potencial de acelerar ou diminuir a taxa de mutação indiretamente. Mas a idéia de um gene que provoca mutações é um tanto equivocada. Genes sofrem mutações. 

Antes de pensar na exclusão dos ‘feios’, devemos nos questionar quem é ‘feio’! Mas, de qualquer forma, as mutações não acabariam com eles. Elas não são direcionadas a criar algo ‘belo’. Acabar com os ‘feios’ significa que alguém deverá selecionar os ‘bonitos’. Quem fará isso? Escolher a aparência do filho não é algo simples. Isso exigiria que conhecêssemos como se dá a herança das características desejadas, o que é uma tarefa árdua. Nos humanos, algumas características possuem herança simples, como a polidactilia. Entretanto, a maioria das características tem mecanismos de herança complexos, com interação de diversos genes. Além disso, ao longo do desenvolvimento, essas características são aleatoriamente modificadas na interação com o meio. É por isso que gêmeos monozigóticos não são idênticos, apesar de possuírem o mesmo código genético. Além das dificuldades biológicas, temos um sério problema ético na idéia de selecionar ‘aparências bonitas’ em seres humanos.”

Mirian Goldenberg

Professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia e do Departamento de Antropologia Cultural - IFCS-UFRJ

“Não existe um modelo universal de beleza, cada cultura, em cada momento histórico, constrói determinado modelo de beleza que passa a ser desejado ou imitado pelos indivíduos de determinada época. Assim, o que é ser belo hoje é completamente diferente do que era há poucas décadas. O que é ser belo no Acre, por exemplo, é diferente do que é ser belo na zona sul do Rio de Janeiro. Apesar de existir uma padronização cada vez maior dos modelos de beleza, disseminados pela mídia (especialmente pelos programas de televisão), existem variações culturais enormes, inclusive dentro de uma mesma cidade.

Os meios de comunicação de massa são fundamentais na padronização de determinados corpos que passam a ser considerados belos. É só olhar para as novelas e propagandas que veremos um número enorme de mulheres louras, magras, altas, jovens, que fogem completamente do que seria considerada uma beleza brasileira. Gilberto Freyre, em 1986, já apontava o que chamou de ‘europeização’ da mulher brasileira, dizendo que a brasileira ‘macaqueava’ padrões europeus de beleza: o corpo mais reto, magro, alto, cabelos loiros, pele clara etc. No entanto, esse padrão europeizante se tornou quase que hegemônico em nosso país, principalmente por ser o mais valorizado na propaganda e na TV.

De um lado temos aqueles que buscam desesperadamente imitar os padrões hegemônicos, consumindo tempo, dinheiro e tudo o mais nessa busca (é só ver o número de cirurgias estéticas, BOTOX®, preenchimentos, academias de musculação, cosméticos, tintura de cabelo etc) e, de outro, temos aqueles que buscam uma vida saudável mas aceitando as limitações do próprio corpo, aceitando o envelhecimento e uma beleza singular. Temos os dois movimentos, hoje, na cultura brasileira: aqueles que se submetem à ditadura da beleza e aqueles que são extremamente críticos e buscam viver a vida de forma saudável e prazerosa, sem se aprisionar a um modelo de corpo belo, magro e jovem.

Hoje, estou comparando a cultura do corpo da mulher brasileira com a da mulher alemã. Estou realizando uma pesquisa visando, exatamente, relativizar a nossa obsessão com determinado modelo de corpo. É só olhar para fora que vamos encontrar mulheres que não pintam o cabelo, que não se submetem a cirurgias plásticas, que não usam BOTOX® ou preenchimentos, que estão mais preocupadas com a saúde do que com a magreza. Isso implica enxergar os valores diferentes nesses dois universos: a mulher alemã está muito mais preocupada com a sua realização profissional, sua independência, sua autonomia do que com a busca de  um corpo perfeito, magro e eternamente jovem. Daí resultam diferentes investimentos de dinheiro, tempo e, também, diferentes tipos de preocupação. Acho interessante pensar os motivos de tanto investimento no corpo por parte da mulher brasileira. Aqui o corpo é um verdadeiro capital, uma riqueza, que favorece a mulher em todos os domínios (casamento, mercado de trabalho, etc). Em outras culturas, outros capitais são mais importantes para a realização feminina, e não apenas o corpo.”

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