• Edição 070
  • 22 de fevereiro de 2007

Ciência e Vida

Um vício na mira da Farmacogenética

Fernanda de Carvalho – AgN/Centro de Tecnologia

Na busca pela terapêutica mais adequada para o vício do cigarro, as respostas podem estar no DNA. O projeto multidisciplinar entre o Núcleo de Estudo e Tratamento do Tabagismo do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (NETT/HUCFF - UFRJ) e o Instituto de Química da Universidade (IQ) pretende avaliar a relação entre as características genéticas de um indivíduo e o hábito de fumar. A meta é obter, dessa forma, maior êxito no tratamento dos fumantes.

O foco do projeto é farmacogenômico, pois visa a estabelecer uma relação entre genoma, vício e tratamento. Em outras palavras, a Farmacogenética utiliza tratamentos específicos para o indivíduo – com relação aos tipos de drogas e dosagens – de acordo com a sua característica genética.

A pesquisa irá analisar o gene da monoaminoxidase-A (MAOA), uma enzima que degrada substâncias como os hormônios dopamina, adrenalina e serotonina. Segundo o professor Joab Trajano, vice-diretor do IQ e coordenador do projeto, “a atividade de reforço (recompensa) de drogas viciadoras se dá graças à contínua estimulação de receptores dopaminérgicos, causada pela liberação aumentada de dopamina no núcleo accumbens, onde se tem a percepção do prazer”.

O Professor explica que vários polimorfismos genéticos, como o que foi encontrado no gene da enzima MAOA, estão relacionados a fatores como: propensão ao início do tabagismo, intensidade do consumo de tabaco, grau de dependência à nicotina e tendência a recaídas. A hipótese que será testada neste trabalho, de acordo com ele, é se o vício do tabaco causado por determinados alelos do gene MAOA torna o indivíduo resistente ao tratamento.

- Um polimorfismo funcional do tipo VNTR (variable number of tandem repeats) foi detectado na região promotora do gene, caracterizada por seqüências repetidas com 3, 3,5 , 4, ou 5 cópias, que afetam a expressão do gene MAOA. A alta expressão desse gene, nos alelos com 3,5 e 4 cópias, está correlacionada com o maior consumo de cigarros -, detalha Joab.

Daniel Martins de Souza, mestrando do IQ, acredita que a originalidade da pesquisa reside na associação entre o perfil genético do indivíduo e o sucesso terapêutico. “Toda pesquisa no âmbito da farmacogenética tem como objetivo a individualização da terapêutica. Assim, a ciência busca um meio de aumentar a chance do indivíduo largar o difícil vício que é o tabagismo”, afirma.

Procedimentos da pesquisa

Será investigado o perfil genético de 600 indivíduos do sexo masculino, dentre os quais 400 já se submeteram ao tratamento antitabagismo da Rede Pública de Saúde do Rio de Janeiro. Os outros 200 correspondem aos indivíduos voluntários, com idade entre 18 e 65 anos, que irão compor o grupo de controle, e que não devem possuir qualquer tipo de vício ou dependência química. “Verificaremos a diversidade gênica na população e como isto influencia na resposta ao tratamento, além de outras variáveis”, explica Daniel.

- Os voluntários irão doar uma amostra de sangue, semelhante à amostra para dosagem de glicose, a partir da qual será isolado o DNA e realizado o teste para caracterizar o alelo do gene MAOA presente. A amostra será colhida no HUCFF e não é necessário estar em jejum -, detalha o professor Joab.

A equipe do NETT/HUCFF, composta por médicos, psicólogos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, é a responsável pelo recrutamento de ex-pacientes do núcleo, que se trataram contra o tabagismo, e de voluntários que farão parte do grupo de controle. Eles também realizarão toda a avaliação clínica, coordenando a coleta de sangue e de dados antropométricos (peso, altura, entre outros) dos voluntários.
Na segunda etapa do tratamento, o NETT irá convocar voluntários tabagistas e desenvolver o estudo clínico duplo cego randomizado, controlando a medicação contra o tabagismo e o efeito placebo. Além de coordenar esse estudo e o acompanhamento médico desses voluntários, o Núcleo irá coletar amostras de sangue e urina para a determinação genotípica e testes de presença da nicotina no organismo.

O IQ, que coordena o projeto através do professor Joab Trajano, irá trabalhar em conjunto com o NETT na tabulação e análise dos resultados. A equipe do Instituto é composta por professores e pesquisadores experientes no campo da Biologia Molecular, além de um aluno da Pós-graduação, o Daniel, cuja tese de mestrado contém a parte analítica experimental do projeto. Tal parte se refere às análises moleculares que se serão realizadas no IQ, como a genotipagem dos voluntários, com relação ao polimorfismo do gene da MAOA.

O Instituto também irá trabalhar na determinação de crotinina, um metabólito resultante da modificação da nicotina, presente na urina dos voluntários que usaram a droga antitabagismo no teste duplo cego, com o objetivo de verificar se eles, de fato, pararam de fumar.

Avanços contra o tabagismo

O projeto foi idealizado como parte da dissertação de mestrado do Daniel, no final do ano passado, a partir do lançamento do edital “Pesquisa para o SUS – Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS)”, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

- Escrevemos o projeto em outubro de 2006 e o submetemos à FAPERJ/SUS. O mesmo foi contemplado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, o que garante a integridade e segurança de todos os participantes desta pesquisa -, relata Daniel. O apoio da FAPERJ corresponde a uma verba de R$57.800,00, que faz parte de uma linha de financiamento que conta com a participação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em meio a tantos protocolos certificados e consagrados para o tratamento do tabagismo, sempre há um grupo de pessoas que não conseguem parar de fumar. A hipótese criada é que, graças aos variados fatores genéticos ligados ao hábito de fumar, que atuam em diferentes fases de aquisição do vício, o tratamento pode vir a ser bem sucedido em indivíduos com certas características genéticas. Por outro lado, indivíduos com características diferentes seriam resistentes ao tratamento.

Segundo o professor Joab, adequar o tratamento ao genótipo dos viciados em nicotina representará um aumento nas taxas de sucesso das terapêuticas e uma economia de recursos. “O resultado deste trabalho poderá servir para orientar o tratamento de tabagistas, evitando que os mesmos sejam submetidos a um determinado tipo de tratamento inadequado às suas características genéticas”, afirma.

O mestrando Daniel conclui: “Leva-se em consideração o perfil genético do fumante e com isso aumenta-se o êxito terapêutico, o qual ainda é muito baixo, mesmo quando a terapia comportamental e medicamentos são empregados”.