• Edição 068
  • 25 de janeiro de 2007

Microscópio

Privatizar é a solução?

Kareen Arnhold - AgN / Praia Vermelha

A garantia, pelos serviços públicos, de acesso à saúde, assistência e informação por populações socialmente discriminadas é um dos princípios que rege o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, criado no fim da década de oitenta. No entanto, esta função principal parece não estar sendo cumprida plenamente. As pessoas não têm tido acesso digno à saúde pública de qualidade devido ao sucateamento dos serviços. Por falta de recursos ou por má distribuição de verbas, o quadro atual que nos revela os noticiários e o cotidiano é o de caos na saúde pública brasileira. Muitas discussões a este respeito acontecem; porém, o destaque, hoje, está na privatização do SUS.

Maria Lucia Werneck Vianna, professora do Instituto de Economia (IE/UFRJ) e Pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS/UFRJ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressalta a falta de investimentos para ampliação da oferta, para contratação e manutenção de profissionais qualificados e para melhoria do atendimento, como motivos para a privatização do sistema de saúde pública, que vem acontecendo pela contratação de profissionais e de serviços privados via cooperativas, o que enfraquece o sistema público de saúde brasileiro.

Outro fator que inclina esta tendência de privatização é o desinteresse da classe média pelos serviços públicos. Bombardeada por ofertas e incentivos crescentes,  essa classe compra planos privados de saúde, contribuindo para a fragilidade do SUS, “porque os recursos que o Estado deixa de arrecadar com impostos, a renúncia fiscal decorrente das deduções com gastos privados de saúde no imposto de renda (tanto das pessoas físicas como das pessoas jurídicas), são abocanhados pelo mercado”, de acordo com Maria Lúcia.

Outra estratégia privatizante, que pode ser percebida principalmente nos Hospitais Universitários (HUs) são os contratos que legitimam uma dupla entrada nos hospitais públicos: uma abertura para os convênios privados, com melhores atendimentos e acomodações; e uma entrada para o SUS, com filas, atendimento mais precarizado e falta de material. “Os hospitais têm duas portas: a porta SUS, de qualidade duvidosa, e a porta dos planos de saúde, com leitos reservados para internação dos clientes que pagam planos. A justificativa é que, assim, conseguem levantar recursos extras”, explica Sara Granemann, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ (ESS/UFRJ).

Para “encarar” de frente a crise da política de saúde, especificamente a da política de gestão dos hospitais federais, o governo Lula constituiu uma equipe de trabalho com representantes de vários ministérios e convidou especialistas em políticas públicas e gestão hospitalar da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O objetivo da equipe era o de pensar um projeto de reorganização do sistema de saúde pública brasileiro. Na reunião, apoiados na idéia de que a crise da saúde pública provém de uma má gestão, os professores da Fiocruz lançaram a proposta de transformar hospitais federias em fundações estatais, o que resolveria problemas tais como a burocracia das negociações públicas, em que o esquema de licitação nas compras do governo aparecia como um entrave para uma boa gestão.

A esta proposta de se criar fundações estatais em relação aos hospitais públicos federais, opõe-se Granemann. De acordo com ela, a medida tomada como solução aos entraves do sistema público de saúde, serve apenas para mascarar a privatização da saúde pública: “chamar uma fundação hospitalar de fundação estatal é adjetivar a fundação para que os hospitais estatais públicos sejam transformados numa entidade com outra regulamentação e formato jurídico, que oculta processos de privatização acelerados, processos de redução da ação do Estado brasileiro”, declara.

A discussão sobre a privatização do SUS ainda será palco para muitas análises, como a que aconteceu neste dia 23, no seminário Privatização do SUS, fundações e sua polêmicas, promovido pela Regional Jacarepaguá do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde. De acordo com a professora Sara, esta proposta de transferência da gestão de hospitais públicos federais para instituições privadas deve ser amplamente debatida e combatida antes de ser decidida.