• Edição 067
  • 11 de janeiro de 2007

Faces e Interfaces

Aqüicultura: grande aliada?

Renata Magliano

O crescimento anual da população mundial, de 80 milhões de pessoas, leva a uma demanda cada vez maior de produção de alimentos, entre eles o da proteína animal. Uma das conseqüências desta situação é uma possível exaustão dos estoques naturais. O resultado disso é a utilização cada vez maior da aqüicultura (criação comercial de animais aquáticos) em diversos países, entre eles o Brasil.

No caso brasileiro, esta atividade econômica é bastante lucrativa, pois o país possui, entre tantas características favoráveis à sua realização, abundância de terras para a construção de tanques escavados, mais de 5 milhões de hectares de águas represadas passíveis de utilização para a aqüicultura, além de uma grande variedade de espécies  de qualidade reconhecida.

Além disso, a aqüicultura, no Brasil, faz parte dos planos do governo federal de reduzir a fome, dando incentivos através de uma legislação menos restritiva e da criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap).

O setor é hoje o de maior crescimento na economia alimentícia mundial, pois as fazendas de peixe apresentam, entre outros, baixo custo se comparadas ao confinamento do gado. Assim, o mundo que dependeu tanto dos pesqueiros oceânicos e das pastagens para satisfazer a demanda de proteína animal, encontra-se numa nova situação.

Diante disso, surge a dúvida se os peixes criados em cativeiros podem causar algum dano à saúde dos seus consumidores e se continuam com a mesma qualidade. Para responder essas e outras questões, o Olhar Vital convidou o professor Sérgio Annibal do Departamento de Biologia Marinha da Faculdade de Biologia e Daniele Botaro, aluna de doutorado em biofísica ambiental do Instituto de Biofísica Carlos Chaga Filho (IBCCF) da UFRJ.

 

Sérgio Annibal

Professor do Departamento de Biologia Marinha da Faculdade de Biologia

"Temos possibilidade de cultivos extensivos, que normalmente não produzem mais do que 1000 Kg por 10.000 m2 de espelho d’água (que equivale a um hectare) ao ano de superfície de viveiros, não se utilizando ração; cultivos intensivos, que fazem uso de ração e que produzem até 30.000 kg/ha/ano; os super-intensivos que produzem até 300.000 kg/ha/ano, evidentemente utilizando ração podemos exemplificar com o Salmão que consumimos cada vez mais em todo o Brasil e é produzido no Chile através de piscicultura marinha oceânica. Esta espécie não poderá ser criada nos ambientes marinhos brasileiros por diversas razões, mas podemos utilizar adaptações das tecnologias empregadas para outras espécies no Brasil como Robalos, Pargos e Bijupirá, e essa é nossa pesquisa inovadora na UFRJ.

As tecnologias super-intensivas de piscicultura marinha oceânica, que representam um conjunto de equipamentos e técnicas de última geração, ainda não são praticadas no Brasil, são cada vez mais utilizadas no mundo pela sua melhor rentabilidade econômica, sustentabilidade ambiental, geração qualificada de emprego e renda, e garantias totais de controle sobre a qualidade sanitária do produto final.

Este modelo inovador descrito é pesquisado pelo nosso Laboratório no Departamento de Biologia Marinha do Instituto de Biologia – CCS/UFRJ associado com a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza - FBCN, que poderá produzir não só peixes, mas também invertebrados e algas, podendo essa tecnologia ser utilizada ainda para piscicultura continental nos grandes rios amazônicos e/ou represas hidrelétricas, que poderão produzir por exemplo, Pirarucu em escala industrial.
 
Para o Estado do Rio de Janeiro e outros Estados costeiros brasileiros nossa proposta representa a forma mais eficiente de produção industrial de matérias primas animais e vegetais com menor impacto ambiental e alternativa econômica para preservação de estuários, lagoas costeiras, mangues, restingas e até mata atlântica.

As matérias primas obtidas, além do uso comestível e sub-produtos da industria de alimentos, geram produtos e sub-produtos para as indústrias de fármacos, cosméticos, confecção e até decoração. 

As formulações e técnicas de produção de rações animais para piscicultura estão bem desenvolvidas no mundo e no Brasil e são adaptadas para cada espécie de acordo com exigências nutricionais e aceitação do animal.  A utilização de rações é fundamental para o desenvolvimento de produtividade e qualidade de qualquer piscicultura, pois só assim se obtém controle de qualidade dos produtos (pescados obtidos) e capacidade alta de rendimento no cultivo.

Há por parte de alguns produtores que usam tipos de cultivo de baixa produtividade ou até mesmo pelo setor de captura pesqueira uma tendência a desqualificar as produções intensivas e super-intensivas, mas isso é principalmente um efeito da competição pelo mercado. Por exemplo, o cultivo de camarões marinhos no Brasil viabilizou a exportação crescente do produto e criou condições de oferta maior e de baixo custo no mercado interno.

Cabe lembrar, que essa prática pesqueira tem destruído fundos marinhos e fauna acompanhante causando prejuízos à biodiversidade e à conservação dos recursos do mar. Por outro lado, cultivos de camarão extensivos e/ou com práticas tecnológicas deficientes tem produzido impactos em algumas zonas estuarinas brasileiras.

Há também ambientalistas, pouco esclarecidos, que são contra qualquer tipo de industrialização e não percebem que não haveria condições de suprimento alimentar de baixo custo sem processos industriais eficientes como temos hoje. Cabe ressaltar que, mesmo com todos os problemas de nossa civilização, vivemos hoje em um país desenvolvido e emergente em pleno acréscimo de longevidade e capacidade atlética e intelectual ampliadas nas novas gerações.

Devido a vários fatores e principalmente graças ao desenvolvimento da aquacultura, o consumo de pescado está aumentando no mundo e no Brasil. A população vem aprendendo a consumir pescado e se preocupa cada vez mais com sua origem e forma de produção, convergindo essas exigências para os processos capazes de apresentarem certificados e controles responsáveis de qualidade, os quais não podem ser feitos sem ciência e tecnologias testadas e aprovadas legalmente.  Desse modo, é fundamental ampliarmos o trabalho básico nas Universidades e Centros de Pesquisa ainda muito precários no Brasil."

Daniele Botaro

Aluna de doutorado em biofísica ambiental do Instituto de Biofísica Carlos Chaga Filho (IBCCF) da UFRJ

 “A produção animal industrial é um sistema que adota métodos intensivos do tipo ‘linha de produção’ para se obter o máximo de aproveitamento com o mínimo de custo. Esse tipo de produção caracteriza-se por confinamentos de alta densidade, taxas de crescimento forçadas, onde os peixes são alimentados com uma mistura de grãos de alto teor protéico e outros ingredientes que garantem rápido crescimento a baixo custo (rações balanceadas).

A criação de peixes hoje no Brasil e no mundo tem se dado de forma intensiva em tanques de terra, com alta renovação de água e alta densidade de peixes (raceways) e principalmente em tanques-rede, os quais são colocados em reservatórios e rios com água de ótima qualidade e resultam em altos níveis de produção.

Recentemente, os tanques-rede têm ganhado destaque principalmente através do incentivo do Governo Federal, através da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap), ligada à Presidência da República. Para organizar o setor e aumentar a produção de pescados nacionais, garantindo mais oferta ao mercado interno e mais produtos para exportações o Governo lançou o Programa Nacional de Parques Aquícolas Continentais.

Na criação de peixes são utilizadas basicamente dois tipos de ração: peletizadas e extrusadas. As extrusadas são mais caras e consideradas mais seguras no manejo alimentar, pois flutuam facilitando a alimentação. O tempo que ficam na água até o consumo pelo peixe é menor do que as peletizadas e assim há menos lixiviação de nutrientes na água e menor eutrofização, poluindo menos o ambiente.

A indústria de ração de peixes vem crescendo nos últimos anos, mas ainda há falta de regulamentos para controlar os insumos usados em sua fabricação e as conseqüências em potencial sobre a saúde das comunidades são fontes de grande preocupação. A gordura animal, por exemplo, pode ser usada como suplemento alimentar para promover o crescimento. Esta gordura, no entanto, pode estar contaminada com substâncias químicas que fazem parte de um grupo chamado poluentes orgânicos persistentes (POPs), que se acumulam biologicamente no tecido humano e animal e aumentam em toxicidade à medida que sobem na cadeia alimentar.

Em uma piscicultura, a ração pode corresponder a 70% do custo total de produção. Diante disso, o produtor muitas vezes compra ração de qualidade duvidosa ou de empresas que não são idôneas, fornecendo aos peixes um produto de péssima qualidade que acarretará em queda na produção e maior liberação de poluentes ao ambiente aquático. Um estudo publicado em 2004 na revista Science revelou que o salmão em cultivo continha em média 11 vezes mais toxinas do que o salmão silvestre, resultado da alimentação utilizada nas pisciculturas (Hites et al., 2004).

Sabe-se que o consumo de peixes é a principal fonte de exposição humana a contaminantes ambientais. A ingestão da espécie contaminados com substâncias químicas, e metais pesados como o mercúrio, pode causar sérios danos à saúde humana, como maior risco de cânceres, distúrbios neurocomportamentais incluindo dificuldades de aprendizagem e mudanças de temperamento, disrupções do sistema endócrino e imune, deficiências reprodutoras e distúrbios sexuais, período de lactação diminuído, doenças como endometriose e incidência aumentada de diabetes.

Atualmente vem ocorrendo o aumento da busca por alimentos mais saudáveis e com menores teores de gordura e o peixe está cada vez mais presente na dieta da população e isso é um bom sinal para o crescimento da piscicultura, já que os estoques pesqueiros estão quase esgotados. Diante disso, tornam-se necessários estudos sobre as exigências nutricionais dos peixes, fundamentais para a elaboração de dietas balanceadas, maximizando o ganho de peso por esses animais e reduzindo a produção de resíduos. Outro ponto fundamental é a fiscalização acerca da qualidade do pescado ingerido, a origem dos insumos utilizados e a garantia para o consumidor de que o produto é de boa qualidade.

Assim, apesar de o consumo de peixes trazer inúmeros benefícios à saúde humana, alguns cuidados devem ser tomados. É fundamental saber sua origem, com que tipo de ração foi alimentado, e sempre preferir comprar em estabelecimentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)”.