• Edição 065
  • 07 de dezembro de 2006

Faces e Interfaces

Lei da Mata Atlântica: um avanço efetivo?

Priscila Biancovilli

No último dia 29 de Novembro, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o projeto de lei que trata da preservação e uso sustentável da Mata Atlântica (PL 3285/92). Depois de 14 anos em tramitação, o projeto agora segue para aprovação do presidente Lula. A chamada Lei da Mata Atlântica define e regulamenta critérios de uso e proteção deste bioma, que hoje está reduzida a 7,3% de seu tamanho original. Prevê também punições rigorosas aos crimes ambientais e recompensas àqueles que contribuírem para sua preservação, além de atribuir à mata uma função social. Quais serão as aplicações práticas desta lei? Ela realmente conseguirá deter um desmatamento que acontece há séculos? Para discutir esta questão, convidamos as professoras Dorothy Sue Dunn de Araújo, do Instituto de Biologia, e Miriam Fontenelle, responsável pela cadeira de Direito Ambiental da Faculdade Nacional de Direito.

 

Dorothy Sue Dunn de Araújo

Professora adjunta do Instituto de Biologia da UFRJ

“Esta lei é um passo a frente, pois define melhor o que se pode ou não pode fazer. Estimula também o proprietário a preservar suas matas, através de vários benefícios que ele vai receber em relação àquela reserva legal que ele deveria proteger. Financia projetos que vão conservar ou recuperar a mata atlântica, e tudo isso é muito positivo. No entanto, se não houver fiscalização, as leis não vão valer nada. Se tivessem sido levadas as conta as leis ambientais desde 1965, do Código Florestal, nós teríamos muito mais Mata Atlântica que os 7% de hoje. Isso acontece porque algumas leis ‘pegam’ e outras não.

Qualquer lei que apareça precisa vir acompanhada de fiscalização, senão não adianta nada. Para que esta lei possa ser efetivada na prática, é fundamental de uma forte fiscalização, além do seu aperfeiçoamento para que as brechas sejam corrigidas. O presidente Lula disse nos últimos dias que a questão ambiental está emperrando o desenvolvimento do país e o progresso. A lei atual pisa em alguns calos do governo. Existem interesses que não querem que estas novas definições sejam pontuadas, isto é fato. Hoje em dia, temos uma série de fiscais ambientais, na forma de ONGs, em grande parte.

O presidente não passa por cima das leis, não pode autorizar o desmatamento, se ele tem um órgão que possui esta competência. A Marina Silva, no governo, está fazendo um trabalho muito sério. Numa entrevista, ela explicou sobre o problema na lentidão das leis ambientais, dizendo que antes não era lento, mas também não era sério. O presidente precisa promover o progresso e desenvolvimento da nação, sem passar por cima de leis. Dizer que o desenvolvimento e a questão não podem ser conciliados é uma inverdade. Existe algo chamado desenvolvimento sustentável. Muitas pessoas questionam a verdade disso, por não ser algo simples. Trata-se de reconhecer o valor que uma mata tem estando em pé, preservada, e como isso pode ser utilizado para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Podemos educar de forma que a mata seja explorada de forma não-destrutiva, para que todos tenham sua qualidade de vida melhorada.

No Brasil, há uma tendência crescente dos cidadãos se envolverem nesta questão, começarem a ficar atentos ao que está acontecendo e denunciar. Conforme esta vigilância popular vai aumentando, a situação da preservação da mata atlântica melhora bastante. Lógico, isto é apenas um pingo d’água em um balde de problemas. Trabalho com o meio ambiente desde 1975, e desde então vejo que muitas coisas melhoraram. Acredito que esta tendência vai crescer. Não sou tão otimista, entretanto, quanto ao crescimento imediato da porcentagem de mata. A situação pode se manter estável, com este estímulo à recuperação que compensa áreas futuramente desmatadas. O que vai levar um tempo grande é a recuperação, também prevista nesta lei, de áreas degradadas com espécies nativas, para que elas voltem a ser uma mata respeitável no futuro.”

Miriam Fontenelle

Professora substituta de Direito Ambiental da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ

“Acho que o Projeto de Lei será da maior importância para a proteção da Mata atlântica, que recobre 17 Estados com a extensão de 1.36 milhões de km2, mas que só restam 7% no Brasil, 3% no município do Rio de Janeiro.  Nosso estado é campeão do desmatamento - Minas Gerais já teve este título, mas reverteu o processo de devastação deste bioma com a implementação de uma política ambiental/florestal adequada, aplicando uma política florestal, incentivos e recursos hídricos, dentre outras, com capacitação técnica dos órgãos ambientais e atuação eficiente deles, além de obtenção de recursos orçamentários, mas também advindos de incentivos. O PL tem 4 novidades, que reverterão em ganhos ambientais: instituição de um fundo de restauração, redução de impostos, facilidade de acesso a linhas de créditos para proprietários em áreas de preservação, proteção e conservação deste bioma.  O mais importante foi a participação da sociedade em sua elaboração e tramitação, pois deu maior legitimidade. 

Está tramitando no Congresso Nacional também o PL 3057/2000, que revogará a Lei de Parcelamento do Solo (6766/79), e traz 3 novidades: os municípios passarão a licenciar a utilização das áreas de preservação permanente (APP) em zona urbana, a metragem das APP será de 15 metros e não como determinada no Código Florestal para áreas rurais, e o licenciamento ambiental passará a ser integrado com o urbanístico. Não basta ter leis ambientais, o mais importante é conseguir aplicá-las.

Os resultados da Lei da Mata Atlântica, a curto prazo, só poderão ser sentidos pela população se houver vontade política dos governantes. Não sei se é o momento de muitas esperanças em relação à efetividade das normas ambientais - o Presidente da República afirmou que o entrave para o desenvolvimento do país é a questão ambiental, e tem havido uma pressão enorme para a saída da Ministra Marina Lima, que conseguiu várias conquistas ambientais.  Assim, o fundamental é a vontade de proteger o meio ambiente, com uma política ambiental integrada - aplicação das Leis da Política Nacional do Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Código Florestal, Crimes Ambientais, Sistema Nacional de Unidades de Conservação e o Estatuto da Cidade.

As leis que complementam o PL da Mata Atlântica, já citadas anteriormente, são complementadas por outras leis que tratam da política ambiental relativa à aplicação dos instrumentos de gestão ambiental - como o zoneamento ambiental, padrões de qualidade ambiental, auditoria ambiental, incentivos, avaliação de impacto ambiental, processos de licenciamento ambiental, entre outras.

Já que temos tantas leis, vamos aplicá-la?  É um dever de todos nós a proteção do meio ambiente, de acordo com o artigo 225 da Constituição de 1988.  Cada um faz a sua parte. Na área acadêmica, é importante o diálogo aberto com os alunos para conscientizá-los a lutar por um mundo ecologicamente equilibrado.”