• Edição 063
  • 23 de novembro de 2006

Faces e Interfaces

Cigarros light: versão clean do tradicional ou pura ilusão?

Isabella Bonisolo

Os cigarros light foram lançados no comércio na década de 60, em uma tentativa das indústrias fumageiras de não perder seus usuários para as campanhas que intensificavam os malefícios do fumo. A adesão concretizou-se em meados de 70, iludindo muitos fumantes com a imagem de que esse novo produto era o fim dos problemas de saúde e da dependência.

Segundo notícia recente da rede inglesa BBC, um juiz federal norte americano, Jack Weinstein, decidiu que ações coletivas contra indústrias que produzam cigarros light já podem ser abertas. Advogados dos envolvidos no caso afirmam que os fabricantes arrecadaram cerca de 200 bilhões de dólares a mais com as vendas dos seus produtos de nicotina light.

Para discutir a veracidade dos argumentos das indústrias fumageiras, o Olhar Vital convidou a doutora Márcia Trotta, fonoaudióloga do Núcleo de Estudo dos Tratamentos de Tabagismo (NETT) da UFRJ e o doutor Marcelo Cruz, Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD), do Instituto de Psiquiatria da Universidade.

 

Márcia Trotta

Fonoaudióloga do Núcleo de Estudo dos Tratamentos de Tabagismo (NETT) da UFRJ

“Ao contrário do que muitos pensam os cigarros do tipo light não são uma solução para parar de fumar. O tratamento para essa doença crônica – assim considerada Organização Mundial da Saúde (OMS) - envolve terapia e utilização de medicamentos, quando necessário. O cigarro light estaria se referindo a um menor número de substâncias tóxicas e não à possibilidade de não causar dependência ou curá-la.

Há máquinas que dosam os elementos contidos no cigarro, só que o valor dessas dosagens é relativo. A quantidade de nicotina em um cigarro depende de uma série de fatores, como por exemplo: a variedade da planta, a época da colheita, o modo de cura da própria folha do tabaco, entre outras questões, já que o tabaco não é um produto químico cujos componentes têm uma dose fixa. A força com que a fumaça é aspirada, o tempo, a duração e o número das tragadas também interferem nesta avaliação e, na prática, fica claro que cada fumante ajusta seu modo de fumar (compensação) para poder manter as concentrações de nicotina no seu sangue e no cérebro, de que sua dependência orgânica exige.  Isto também acontece nos cigarros de baixo teores.  O fumante que trocou seu cigarro ‘forte’ por um ‘light’ acaba por adaptar seu modo de fumar com o intuito de absorver a quantidade de nicotina que a sua dependência orgânica necessita e, para isso, o fumante aprofunda, prolonga e aumenta o número de tragadas para compensar o que está faltando. O fumante dos cigarros light acaba descobrindo, ainda que inconscientemente, que se ele bloquear com os dedos os orifícios da base do filtro, ou mesmo deixar as guimbas menores, ou fumar um maior número de cigarros, ou tragar mais vezes e mais profundamente, ele receberá a quantidade de nicotina ‘necessária’ ao seu corpo. Com isso, conclui-se ser enganosa a idéia dos cigarros de baixos teores serem menos nocivos.

Nesses tabagistas de cigarros light também não há redução dos processos mórbidos relacionados ao uso do tabaco.  Pelo contrário, é possível constatar que a incidência de sintomas respiratórios, elevação de pressão arterial, infarto coronariano, bronquite crônica e enfisemas, entre outras doenças, é semelhante a de quem usa cigarros ‘fortes’.  Percebe-se que os cigarros light têm a mesma toxidez que os demais e não reduzem o risco de doenças como o câncer de pulmão. O amarelo dos dentes, das unhas e da pele do fumante, decorrentes do alcatrão, também atinge quem fuma cigarros light, já que essa substância também está presente nos cigarros ditos de baixos teores.

Apesar de todo conhecimento adquirido sobre o tabagismo, a indústria fumageira promove, no mundo todo, propaganda intensa de todos  cigarros, inclusive os de baixos teores, a fim de incutir a crença de que não são nocivos. Com isso, conquistam um nicho de fumantes que talvez estejam mais preocupados com as questões de saúde, especialmente os jovens e as mulheres.  Graças a essa propaganda, as pessoas continuam fumando, partindo da ilusão de que esses cigarros são inócuos.

Como a indústria não dorme no ponto, para que os light sejam mais consumidos, eles adicionam mais de 600 aditivos para proporcionar um sabor mais agradável do que a nicotina, como de frutas, licores, maçã, rosas, chocolate, anis, nozes, entre outros. Você pode ver que esses artifícios realmente conquistam determinados consumidores. É bom chamar atenção para o fato de que o câncer de pulmão em mulheres já ultrapassou o câncer de mama em alguns países, e elas consomem mais cigarros de baixos teores."

Marcelo Cruz

Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD) do Instituto de Psiquiatria da Universidade

“Atualmente não é mais permitido o uso deste termo – cigarros light - na embalagem no Brasil. Na verdade, as indústrias fabricantes não são proibidas de vender produtos assim. Elas não podem é utilizar o termo light. Porém, para diferenciar dos cigarros comuns, usa-se cores diferentes no design dos rótulos.

 Muitos acham que os cigarros light são a solução para parar de fumar, quando não é. Eles não diminuem em nada a quantidade de nicotina inalada por unidade e por isso não auxiliam em absoluto a parar ou diminuir.

Uma informação importante e desconhecida da maioria, que deve ser destacada, é que a única diferença do cigarro chamado light para o comum é que o primeiro tem um maior número de micro furos no papel que envolve o tabaco. Estes furos aumentam a quantidade de ar inalado em cada tragada, diminuindo a concentração de nicotina. No entanto, o fumante tende a compensar aumentando o volume da tragada ou mesmo a quantidade de cigarros fumados.

Esses cigarros não reduzem o risco de doenças, como o câncer no pulmão, pois tem a mesma quantidade de alcatrão nicotina e demais substâncias, produzindo os mesmos riscos. Mesmo assim, fumantes de cigarros light acreditam que consomem algo que não prejudica a saúde. Ilusão, está longe de ser uma boa estratégia de tratamento para dependência.

Nos serviços de fiscalização, nos EUA, é usado uma máquina para dosar a quantidade de nicotina por volume inalado. Como no cigarro ligth há mais furos, entra mais ar produzindo um resultado menos de concentração de nicotina por volume. Assim, a classificação como ligth é enganosa.

Ao ser questionado sobre propaganda enganosa, a indústria do tabaco teve que mudar a estratégia de marketing retirando as afirmações que faziam sobre os ditos cigarros ligth. Além disso, a indústria do tabaco foi derrotada em grandes processos judiciais nos EUA porque esconderam que sabiam que a nicotina provocava dependência. E pior: amônia era adicionada ao cigarro para aumentar a concentração de nicotina provocando mais dependência.”

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