• Edição 062
  • 16 de novembro de 2006

Faces e Interfaces

Criança cibernética

Priscila Biancovilli e Mariana Borgerth, da AgN UFRJ/Praia Vermelha

A tecnologia está influenciando cada vez mais o comportamento social. Esta realidade também acontece quando se trata de crianças. Hoje os computadores fazem parte da educação e do desenvolvimento infantil. Alguns neuroeducadores defendem os possíveis benefícios do uso da tecnologia para, como por exemplo, estimular o raciocínio. Além disso, existem outros pesquisadores que apóiam a idéia de que devido ao fascínio que os computadores exercem, ele é capaz de auxiliar no tratamento a problemas de concentração. Porém a polêmica sobre o assunto é grande. Para saber mais sobre os prós e contras dessa prática na vida das crianças, o Olhar Vital convidou a professora Cristina Maria Duarte Wigg, chefe do Departamento de Psicometria do Instituto de Psicologia da UFRJ e Eduardo Jorge Damaso, médico do Programa de Atenção Primária à Saúde da Faculdade de Medicina da UFRJ.

 

Cristina Maria Duarte Wigg

Chefe do Departamento de Psicometria do Instituto de Psicologia e Coordenadora do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia(NEPEN-IP-INDC-UFRJ).

"O bom uso da tecnologia é positivo ao desenvolvimento da criança. Contudo, os limites são necessários e marcam uma utilização adequada ou não dos computadores. A internet atualmente vem representando uma importante forma de comunicação e socialização, entretanto, rompe com o contato pessoal direto e cria, muitas vezes, uma realidade ilusória.

O computador pode ser uma distração, um facilitador de informações e da educação. Contudo, os excessos ou o uso inadequado podem prejudicar o desenvolvimento emocional e até mesmo de algumas funções cognitivas, como a linguagem falada e escrita.

Evitar que a criança use o computador pode ser pior, o melhor é trabalhar com limites, as crianças precisam estar preparadas para as mudanças do mundo e não participar de tais transformações pode significar não acompanhar a atualidade em sua totalidade. E deixar de interagir com novas questões e tecnologias pode limitar a capacidade de enfrentamento e crescimento cognitivo e psicológico. O que se precisa é estar atento ao exagero e ao uso da internet como única forma de se estabelecer contatos e resolver problemas, sejam acadêmicos ou sociais.

Hoje as mudanças são imensas e as crianças costumam ser mais perspicazes e capazes de lidar muito melhor com tecnologias do que as da geração anterior. Embora, nem sempre este ganho se reflita no desempenho acadêmico, já que o desinteresse pelas atividades escolares e de rotina vem caindo consideravelmente. Um outro aspecto que vem se observando é o isolamento e uma maior dificuldade de se relacionar. Isso porque o uso da tecnologia está ocupando o lugar de práticas sociais que auxiliam o desenvolvimento emocional. Um exemplo são os cursos à distância. Eles jamais substituirão a presença do professor e sua interação com os alunos

Dentro do espaço clínico, a reabilitação de alguns distúrbios pode ser beneficiada pelo uso do computador, porém é preciso entender que o computador é apenas um instrumento, um equipamento facilitador, não deve ser confundido com o tratamento propriamente dito e suas estratégias. Atualmente inúmeras atividades são facilitadas por esse equipamento, mas ele não é nosso método de trabalho.

O centro da questão é a maneira como ocorre o uso da tecnologia. Na verdade, não devemos temê-la, ela é necessária e nos auxilia muito nos tempos atuais. Devemos nos preocupar como as famílias vêm se estruturando e como as escolas estão introduzindo e conduzindo o uso da internet nas atividades escolares. É preciso ter alguém que direcione. A família e a escola estão perdendo seu referencial e sua responsabilidade no processo educativo, quando adquirem tecnologia e não orientam seu uso. Em casa acaba funcionando como um brinquedo e na escola essa prática ainda é insuficiente é inadequada.

Acredito que projetos educacionais dentro das escolas poderiam resolver este problema, orientando o uso do computador como recurso, aplicando a informática à educação de forma positiva e eficaz. Ter o computador e a internet, ainda não difundidos a todos como deveria ser, é apenas mais um desafio perante aos inúmeros outros surgidos das mudanças da atualidade."

 

Eduardo Jorge Damaso

Médico do Programa de Atenção Primária à Saúde da Faculdade de Medicina da UFRJ

"A criança que maneja desde cedo o computador com certeza irá adquirir maiores habilidades na área cognitiva e motora. Existem diversos jogos educativos, voltados a crianças de todas as idades, que ajudam neste desenvolvimento. Não só jogos, também DVDs, programas de CD-ROM e a própria internet, com sua infinidade de páginas, contribuirão para isso.

Alguns trabalhos e estudos já provaram que crianças que usam computador, DVD e joystick desde cedo desenvolvem mais rápido suas atividades motoras, antes das crianças que não têm contato com estes objetos. Assim sendo, a informática pode trazer grandes benefícios à educação infantil.

A questão a ser analisada neste caso é a falta de discernimento da criança. Um menino de dois, três ou quatro anos não sabe ainda o que é bom para ele, ou o que existe de perigoso e maléfico na internet e nos jogos. Por isso mesmo, as atividades dela no computador devem ser monitoradas pelos pais, professores ou algum outro responsável. Uma pessoa mais velha pode guiar a criança e ajudá-la a aproveitar todas as vantagens do computador da melhor maneira possível.

Acredito que a democratização do acesso à informática é fundamental nos dias de hoje. A criança que acessa a internet para fazer pesquisas escolares, trabalhos, ou mesmo por diversão, tem à sua frente uma infinidade de informações sobre praticamente tudo que existe no mundo, e assim desenvolve melhor e mais rápido seu senso crítico.

Mesmo assim, este acesso precisa, além de monitorado, ser também limitado. O ideal é que o tempo que uma criança leve à frente do computador não passe de uma hora ou, no máximo, uma hora e meia por dia. Esta atividade precisa ser equilibrada com outras distantes dos meios virtuais, como uma brincadeira ao ar livre com os amigos, ou uma conversa com os pais e familiares.

A correria do mundo de hoje acaba fazendo com que os pais não consigam passar muito tempo ao lado dos filhos, e isso acaba atrapalhando o monitoramento deles em relação às atividades da criança. A melhor coisa a se fazer para contornar este quadro é manter sempre um bom canal de comunicação. Os pais precisam informar aos filhos, num tom pacífico, o que é certo e errado, quanto tempo ele pode ficar brincando no computador, quando ele deve deixar a diversão para estudar, e por aí vai. Por mais que o tempo em que o pai e a mãe permaneçam em casa seja curto, ele deve ser bem aproveitado. A criança, assim, ganha uma maior consciência sobre seus deveres e atividades, e acaba se acostumando a elas, sem precisar de punição. Se o monitoramento não funcionar, aí sim, deve-se partir para um bloqueio dos sites de conteúdo duvidoso, ou as salas de bate-papo e programas que facilitem o contato com pessoas estranhas.

Na realidade, a internet e o computador são uma faca de dois gumes. Eles estimulam a leitura, pois a criança acaba lendo conteúdos diversos na rede, estimulam também a escrita, através dos sites de relacionamento e e-mails, mas por outro lado podem viciar e acarretar diversos problemas. O que os pais devem fazer para evitar que isto aconteça é, além da conversa, estimular a criança a fazer outras atividades longe do computador, como um esporte ou um curso de dança. Tudo em excesso é prejudicial, e isso também se aplica ao uso dos aparatos digitais".