• Edição 061
  • 09 de novembro de 2006

Por uma boa causa

As implicações da indústria no leite materno

Mariana Elia

O consumo de alimentos industrializados e dos chamados fast food está, cada vez mais, tornando-se uma rotina do brasileiro. Ricos em ácidos graxos trans (AGT), esses alimentos trazem prejuízos ao metabolismo, ao reduzirem a concentração de ácidos graxos essenciais, que não sendo sintetizados pelo organismo, devem ser adquiridos nas refeições. Para as gestantes, o prejuízo é ainda maior. Uma pesquisa realizada no Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), e apresentada na XXVIII Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Artística e Cultural da UFRJ, demonstrou que quanto mais as futuras mães ingerem AGT, maior a quantidade do mesmo no leite materno.

- O ácido graxo trans é um tipo de lipídeo raramente visto nos alimentos naturais. Ele é obtido, na sua grande maioria, pela indústria, através de procedimentos tecnológicos (hidrogenação), aplicados aos óleos vegetais, como de soja e de milho, para obtenção de margarinas e gorduras – explica uma das orientadoras da pesquisa, a professora Maria das Graças Tavares, do INJC.

O processo industrial garante maior durabilidade do produto, mas, em compensação, o seu resultante não traz qualquer benefício para a mãe ou para o bebê. Ao contrário, “a gordura trans pode ser incorporada ao tecido fetal, podendo levar a implicações no crescimento e desenvolvimento infantil”, ressalta Roseli Costa, doutoranda do INJC e uma das integrantes da pesquisa. Maria das Graças lembra ainda que os ácidos graxos essenciais são importantes na formação do Sistema Nervoso, mas apresentaram, na pesquisa, taxas reduzidas nas retinas e no cérebro dos ratos alimentados com dieta rica em AGT.

O trabalho da equipe do INJC não se restringiu a avaliação do leite materno, mas também analisou a placenta e o sangue do cordão umbilical das mães adolescentes. A escolha desse grupo deveu-se ao alto consumo de alimentos industrializados, antes e durante a gestação.

O leite materno deve ser a única fonte dietética do bebê durante os seus primeiros seis meses de vida. Ele garante todos os nutrientes para seu desenvolvimento e crescimento, além de fortalecer as defesas do organismo. Após o sexto mês, o aparelho digestivo já está preparado para os alimentos sólidos, “mas aconselha-se a manter o bebê no seio, visando complementar suas necessidades orgânicas”, acrescenta Roseli.

- A qualidade dos lipídios na dieta materna tem influência direta no perfil de ácidos graxos do leite secretado. Crianças que recebem leite com baixo teor de lipídios tendem a mamar mais freqüentemente e por mais tempo, causando um aumento no volume do leite. Há uma correlação positiva entre o ganho de peso durante a gestação e o conteúdo de lipídios do leite. Dessa forma, a relação entre a ingestão dietética materna de lipídios, a composição corporal adiposa e a concentração de lipídios no leite é de crucial importância na nutrição infantil durante o aleitamento – detalha Maria das Graças.

Para reduzir os danos causados pelo consumo de AGT, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a ingestão desse a apenas 1% do total de calorias diárias. “No Brasil, são desconhecidos os teores de ácidos graxos trans em todos os alimentos industrializados, prejudicando a orientação em relação ao seu consumo”, afirma Maria das Graças. Por conta disso, desde agosto passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que fosse detalhada a quantidade de AGT nas embalagens de produtos industrializados. Para Roseli Costa e Maria das Graças Tavares, é fundamental conscientizar a população brasileira em relação aos riscos do consumo desses ácidos e exigir o cumprimento da regulamentação. Atualmente a dieta brasileira apresenta níveis de ácidos graxos trans intermediários entre os dos Estados Unidos e da Europa.