• Edição 060
  • 1° de novembro de 2006

Faces e Interfaces

As cores dos alimentos

Priscila Biancovilli

O programa “5 ao Dia”, lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1991, nasceu com o objetivo de promover o consumo diário de, pelo menos, cinco porções de frutas, legumes e verduras. Hoje uma realidade em mais de 30 países, o programa se consolidou como a estratégia de promoção do consumo saudável mais reconhecida no mundo. A idéia pretende sensibilizar a população sobre a importância de uma alimentação saudável, que contribui na diminuição da obesidade e de diversas doenças crônicas. Estas cinco porções devem ser diversificadas ao máximo, resultando num cardápio colorido e nutritivo.

Mas, quando entra em debate a vinculação entre a cor e a função nutricional dos alimentos, o assunto foge do consenso. Ainda mais depois da criação de métodos como a “Dieta das Cores”, que garante a perda de dez quilos por mês com a divisão dos alimentos em sete cores diferentes, uma para cada dia da semana.

Até que ponto as cores realmente influenciam nas propriedades funcionais dos alimentos? Já existem evidências científicas desta relação? Para discutir mitos e verdades sobre o tema, convidamos a professora Cristina Freitas, do Departamento de Nutrição Básica do Instituto de Nutrição da UFRJ, e Adoplho Melich, professor e endocrinologista do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.

 

Cristina Freitas

Professora Adjunta do Departamento de Nutrição Básica do Instituto de Nutrição da UFRJ

“Todo alimento tem como primeiro impacto o visual. O nível de aceitação e rejeição depende, em grande parte, da sua cor. Cada componente químico possui um papel nutricional ou funcional no organismo. Ou seja, ele pode conter tanto substâncias que fazem parte da constituição do nosso corpo, como proteínas, carboidratos e lipídios, quanto compostos que não serão absorvidos, mas realizarão funções diversas. A pigmentação dos alimentos é definida por estes compostos bioativos, que exercerão funções energéticas, plásticas e reguladoras, dentre outras.

O pigmento carotenóide é responsável por uma coloração que vai do amarelo mais alaranjado até o abóbora. Como exemplo, temos as cores da cenoura, da manga e da própria abóbora. Outro pigmento é a antocianina, encontrada no jamelão, na jabuticaba, nas uvas e no morango, responsável pela coloração entre o avermelhado-roxo até o violeta. A clorofila é encontrada nos vegetais folhosos e tem uma cor que vai do verde claro até o mais escuro. As antoxantinas, presentes no alho, cebola, nabo, batata e na polpa da maçã, têm uma coloração do branco até o amarelo claro. Finalmente, existe o licopeno, responsável pela cor vermelha do tomate e da goiaba, e a betalaína, o pigmento roxo-intenso da beterraba.

Hoje a ciência está provando que essas substâncias podem proteger as células, diminuindo a quantidade de radicais livres no organismo e, assim, retardando o processo de envelhecimento. Na prevenção e tratamento de doenças crônico-degenerativas, como o diabetes, por exemplo, os compostos bioativos em geral exercem um papel muito importante. Eles podem ser encontrados nos pigmentos naturais, fibras e fitosteróis.

Quanto à dieta das cores, eu sou contra. Baseado na dietética, nós observamos que a diversidade é fundamental. Determinados alimentos da mesma cor têm, em sua maioria, princípios nutritivos ou componentes bioativos semelhantes. Por isso mesmo é tão importante manter a diversidade de colorações na alimentação, pois fornecerá ao organismo uma maior variedade de compostos químicos, pigmentos e composições de fibra alimentar. Se nos alimentarmos em um dia apenas de vegetais verde escuros, o excesso de seus compostos será excretado nas fezes, e não armazenado durante toda a semana. É importante que haja um equilíbrio na alimentação diária, para otimizar ao máximo o processo digestivo e metabólico.”

Adolpho Melich

Professor e endocrinologista do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Cada alimento contém diferentes quantidades de potássio, sódio, cálcio, fósforo, zinco, magnésio, entre outros tipos de vitaminas e minerais. Podemos afirmar que não existe uma característica alimentar especifica relacionada com a coloração. Alimentos de cor parecida, como tomate, caqui e pimentão, possuem características totalmente diversas, bem como cenoura, laranja, tangerina, ou até alface e espinafre, que na realidade só apresentam como semelhança a própria cor. Não existe nenhum embasamento científico para a denominada dieta das cores. Sabemos que, de modo geral, as dietas empregadas na redução de peso não costumam ser eficazes no longo prazo. Por outro lado, a curto prazo, devido à mobilização dos pacientes, todas elas apresentam resultado aceitável. Entretanto, como o paciente necessita de disciplina e consciência para manter o esforço de emagrecer, o plano alimentar médico se torna “inferior” às denominadas dietas mágicas.

Nossa vida está sempre relacionada à alimentação, desde a gratificação proporcionada pelo leite materno ao prazer social de almoçar, jantar, lanchar e se reunir com a família em torno da mesa. Daí a dificuldade de interferências restritivas no plano alimentar conseguirem se sustentar por muito tempo.

A medicina pode ser definida como um conjunto de arte e ciência. Poderíamos considerar a dieta das cores como mais um capítulo da arte, porém sem embasamento cientifico, e, portanto, validade nula. Na realidade, o capítulo das dietas não balanceadas ocupa páginas e mais páginas de revistas e sites da internet, que nem sempre têm credibilidade. Há pouco tempo, surgiu uma polêmica sobre possíveis malefícios do aspartame, acusado de provocar esclerose múltipla, lupus eritematoso sistêmico e até tumores cerebrais. Esta discussão refletia desavenças entre determinados grupos e a companhia fabricante do aspartame, que também produzia a soja transgênica.

Encerrando, gostaria de salientar que uma dieta balanceada, contendo frutas, vegetais, carboidratos de absorção lenta, pouca gordura e uma quantidade adequada de proteínas, (a chamada ‘dieta do mediterrâneo’), é comprovadamente eficaz na prevenção das doenças do coração.”