• Edição 056
  • 05 de outubro de 2006

Ciência e Vida

Para um Brasil sem manchas

Projeto de extensão da UFRJ informa à população as características da Hanseníase, doença já eliminada em diversos países, mas ainda persistente em países como o Brasil e a Índia.

Mariana Elia

Estigmatizada desde os tempos bíblicos, a Hanseníase é ainda uma doença pouco desvendada pela sociedade brasileira. Apesar de possíveis, tanto o diagnóstico quanto o tratamento eficiente, o preconceito contra os portadores permanece em nossa cultura como se ainda vivêssemos na Idade Média, época em que os chamados “leprosos” tinham que usar sinos para anunciar sua chegada. É nesse cenário que o Projeto de Extensão (Des)mancha Brasil, coordenado pela dermatologista da UFRJ, Maria Kátia Gomes, surge. O objetivo do projeto é atuar junto com a população para difundir as características da Hanseníase além de buscar humanizar a atuação dos atuais e futuros profissionais de saúde.

O(Des)mancha Brasil foi criado em 1996 e desde então já trabalhou nos municípios de Belford Roxo e Queimados. Atualmente, a equipe atua em Nova Iguaçu. O projeto envolve alunos dos cursos de Medicina, de Fisioterapia e de Serviço Social da UFRJ. Segundo a Maria Kátia, o objetivo é ter uma prática multidisciplinar em uma doença endêmica, com cada aluno desenvolvendo seu papel específico e, ao mesmo tempo, trabalhando em equipe.

- São realizadas ações educativas em escolas, igrejas, associações de moradores e unidades de saúde, onde se divulgam sinais e sintomas da Hanseníase para a população. O intuito é que as pessoas possam se identificar como casos suspeitos e se submeter a diagnóstico precoce e tratamento imediato – explica a coordenadora do Projeto.

A Hanseníase é uma doença infecciosa, transmitida pelo ar, que pode ter três formas de manifestação: indeterminada, tuberculóide e virchowiana. O principal sintoma é a formação de manchas hipoestésicas (menor sensibilidade), esbranquiçadas ou avermelhadas, assimétricas e secas (as glândulas sudoríparas param de funcionar na região). Existe ainda a possibilidade de crescimento de caroços e dormência. As dores nas articulações são causadas pelas neurites, porque o bacilo afeta a parte nervosa da região.

O Brasil é o segundo país em Hanseníase, perdendo apenas para a Índia, e a cada ano são registrados cerca de 40 mil novos casos. O Rio de Janeiro apresenta uma endemicidade moderada, mas, de acordo com Maria Kátia Gomes, em algumas regiões do estado persistem focos mais graves. O Brasil lançou o Programa de Eliminação da Hanseníase na década de 1980, logo após o desenvolvimento do tratamento que permitiu a cura em 1982. A partir daí, o país passou a importar os medicamentos para o PQT (tratamento poli-quimioterápico) para ser distribuído nos postos de saúde.

Uma outra atividade da equipe do (Des)mancha Brasil é justamente ir aos domicílios de pacientes que abandonaram o tratamento, ou que o fazem de maneira irregular. Os estudantes batem à porta deles e conversam com a família sobre assuntos diversos relativos a saúde até chegar nas doenças de pele. Em seguida, a equipe "aplica o questionário para tentar identificar se mais alguém da família apresenta sinais e tenta resgatar o paciente para tratamento, além de incentivar a família a tomar a vacina BCG", diz Maria Kátia. A BCG não impede que o indivíduo seja contaminado, mas caso ocorra a infecção, a manifestação será mais branda.

O Projeto atua ainda de uma outra forma: duas vezes por semestre, os estudantes fazem uma campanha em praça pública, explicando o que é a Hanseníase. Se alguém identifica alguma mancha suspeita, é encaminhado para ao posto de saúde. Segundo Maria Kátia, em todas as campanhas houve descoberta de casos.

Além da conscientização da população, Maria Kátia acrescenta, como função primordial do Projeto, a formação mais humanizada do profissional de saúde, "um olhar que conjugue Clínica com Epidemiologia e que o profissional conheça a realidade do paciente". O trabalho multidisciplinar também é valorizado, pois, cada vez mais tem se percebido a importância dos saberes específicos de cada profissão no atendimento em saúde.

A Hanseníase está em registros escritos de 400 a.C. e, até a década de 1950, a política isolacionista vigorava. Os doentes tinham que morar em cidades afastadas e não recebiam qualquer tipo de tratamento. A partir desta década, a Sulfona permitiu o controle da doença. Nos anos 1980, com o tratamento PQT, foi possível atingir a alta médica. O preconceito, de acordo com Maria Kátia, existe por conta das incapacidades físicas que ela pode provocar. O micróbio, mycobacterium leprae, aloja-se em nervos, causando neurites. Quando não tratadas, essas neurites danificam os nervos que, se forem calibrosos, impossibilitam a transmissão de informações para os membros, formando amiotrofia, garras nas mãos e pés.

A Hanseníase tem cura. O contágio somente ocorre se o portador não estiver submetido ao tratamento, pois a partir do 15° dia de medicação, não há transmissão do bacilo. O tratamento é gratuito nos postos de saúde e algumas medidas podem ser adotadas para prevenir a infecção. A qualquer sinal de mancha hipoestésica (menor sensibilidade) na pele, é importante que se procure de um posto de saúde e que se evite aglomerações em locais sem arejamento e por longo período. As conseqüências também podem ser evitadas. Junto a medicação para eliminar o bacilo, aconselha-se a busca de informação junto ao médico sobre antiinflamatórios para as neurites, pois as garras podem se formar anos depois dos primeiros sinais da doença.