• Edição 050
  • 24 de agosto de 2006

Faces e Interfaces

Cotas: a polêmica continua

Taisa Gamboa

No mês de junho, a Reforma Universitária foi encaminhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional. Marco na luta pela melhora na Ensino Superior do país, o fato não agradou toda a comunidade acadêmica, nem os movimentos estudantis, pois não há consenso em torno de vários pontos importantes, como a retirada do trecho que trata da reserva de vagas para alunos de escolas públicas, negros e índios.

O argumento utilizado para tal foi uma questão de regimento do Congresso. Segundo o ministro da Educação, Fernando Haddad, “já existe um projeto do Executivo tratando de cotas na Câmara. Poderíamos até mesmo atrasar a implementação da política se a mantivéssemos na proposta da Reforma Universitária, porque ela teria que passar pelas mesmas comissões".

Para comentar essas e outras questões a respeito da inserção do sistema de cotas do vestibular, o Olhar Vital convidou o professor Gilberto Oscaranha, da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) e a professora Zilda Maria de Carvalho, Faculdade de Odontologia (FO).

Gilberto Oscaranha

Professor da EEFD

“Eu sempre pensei que todos os brasileiros honestos e que cumprem os seus deveres têm o direito à saúde, à educação e ao trabalho. Mas com o tempo percebi como as dificuldades são muitas e como é difícil vencê-las. Eu vim da periferia, e tive a sorte de conhecer alguém disposto a pagar os meus estudos, o que me garantiu uma boa base para o vestibular. Se não fosse isso, eu seria mais um pedreiro, ou criminoso.

Poucas pessoas têm a mesma oportunidade que eu tive e raramente entram para uma universidade de qualidade. Somente as classes média e alta conseguem se impor nessa regra. São tão raros os casos de negros ou pobres que alcançam uma posição privilegiada, que chegamos a considerar isso como um ato divino. Os exemplos são facilmente obtidos na própria UFRJ. Na turma de capoeira da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD/UFRJ), dos 40 alunos, apenas nove são negros.

Na verdade, as cotas não deveriam existir, o governo e a sociedade é que tinham que garantir o acesso de toda a população às escolas e universidades de qualidade. Mas como não é isso o que acontece, não temos outra opção, a não ser inserir o sistema de cotas no vestibular. O objetivo é permitir que um número maior de descendentes africanos e pobres entrem em contato com o mundo acadêmico, e assim, consigam vencer na vida.

Ou será que alguém acredita que as escolas públicas vão ter qualidade a ponto de oferecer condições suficientes para o aluno passar no vestibular de uma universidade pública? As escolas falidas não conferem boas perspectivas de mudança para o ensino, assim como não há bons hospitais e habitações.

Por isso, é melhor ter cotas, do que nada. O Brasil deve isso aos negros e seus descendentes e aos desfavorecidos economicamente. De outra forma, essas pessoas continuarão ocupando péssimos empregos a um baixo salário e seus filhos também não terão acesso à boas escolas, nem universidades. Além disso, a própria manutenção do aluno na faculdade é difícil e custosa, o que inviabiliza uma boa freqüência às aulas e prejudica o desempenho do aluno.”

Zilda Maria de Carvalho

Professora da Faculdade de Odontologia

“Eu sou contra o preconceito, seja ele de qual origem for, raça, ideologia, política, credo. Nossa sociedade é democrática e cada um tem os seus direcionamentos. Estabelecer cota para negros nas universidades é uma forma de preconceito. Ao analisar a situação em que a população afro-descendente se encontra como sendo pior que a do branco, em função de todo o problema histórico da raça no Brasil, é estabelecer um duplo preconceito. O primeiro é o racial, e o segundo diz respeito ao preterimento do branco, caso seja pobre.

Na realidade, para se resolver a questão do acesso à educação no país, o sistema de cotas funciona apenas como uma maquiagem. O que deve ser efetivamente feito é dar condições do pobre, independente da raça, ter uma melhor escolaridade e maior bagagem intelectual com uma escola pública de qualidade. Dessa forma, um cidadão pobre terá igualdade de acesso às universidades públicas. 

Um aluno que estuda na Faculdade de Odontologia, por exemplo, precisa ter condições intelectuais e financeiras para se manter na escola. Só os estudantes que tiveram uma boa base no ensino fundamental e médio e que conseguem comprar a enorme gama de material necessário para as aulas são capazes de acompanhar o curso. Além disso, o ingresso de alunos com educação deficiente prejudica o trabalho do professor, que enfrenta dificuldades para nivelar as turmas.

Outra coisa que deve ser mencionada é que hoje se fala muito em universidade para todos, mas isso não acontece nem nos países desenvolvidos, e só acirra o preconceito. Sem a demanda necessária para a absorção de grande quantidade de graduados, o ideal é que se criem cursos técnicos que garantam o emprego dos jovens desfavorecidos.

A solução pode estar na distribuição de bolsas para os alunos que não têm condições financeiras suficientes para acompanhar o curso, mas são esforçados e inteligentes o bastante para acompanharem as aulas. Para os que não tiveram acesso à boas escolas ao longo da juventude, mas que querem entrar em uma universidade pública, poderiam ser oferecidos cursos preparatórios para o vestibular, de forma que eles tivessem igualdade de acesso à universidade, através do mérito.”