• Edição 048
  • 10 de agosto de 2006

Ciência e Vida

Da ficção para a realidade

Taisa Gamboa

Preconceituosamente chamada de mongolismo, a Síndrome de Down (SD) é uma das síndromes mais freqüentes na raça humana. Longe de ser coisa de novela, ela engloba um conjunto de sinais típicos, que permitem seu diagnóstico, tais como a hipotonia muscular generalizada, o retardo mental, e as dismorfias/malformações típicas.

Segundo Márcia Ribeiro, professora de Genética Clínica do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ, na grande maioria das vezes, a SD ocorre ao acaso, fruto de uma não-disjunção do cromossoma 21 da mãe. O gameta feminino fica, então, com dois cromossomas de mesmo número, e, ao se juntar com o gameta masculino, formará a trissomia do 21. Com o avanço da idade materna, principalmente a partir dos 25 anos, a ocorrência desta não-disjunção aumenta, e junto com ela, aumentam as chances de conceber uma criança com a síndrome.

A inclinação palpebral superior, o achatamento da base nasal, as orelhas pequenas, a prega única palmar, e uma tendência à obesidade são as principais características dos pacientes que apresentam a SD. Eles são também os mais suscetíveis a ocorrência de algumas doenças como a cardiopatia congênita, estenose duodenal (obstrução do duodeno), hipotiroidismo, litísase biliar, ou seja, cálculos biliares e leucemia.

Essa variabilidade clínica encontrada entre os pacientes com Síndrome de Down pode ser explicada, em parte, pela biologia molecular. Embora isso garanta a possibilidade de ocorrência de mudanças do código genético específicas de algumas alterações encontradas na síndrome, os pesquisadores não sabem a causa exata da variabilidade. E como não há nada escrito na literatura que determine a ocorrência de diferentes graus de SD, isso também não pode ser empregado.

- Como não há, atualmente, nenhum tratamento curativo para a Síndrome de Down, o trabalho dos médicos consiste em manter a atenção à saúde, antevendo possíveis complicações, – comenta Márcia Ribeiro. Logo que o bebê nasce, alguns cuidados especiais devem ser iniciados a fim estimular a criança para que os marcos de desenvolvimento não ocorram de forma tão atrasada.

O pediatra deve estar ciente de que existe um protocolo de acompanhamento que deve ser seguido, com base na morbidade própria da síndrome. Em função dos problemas de saúde relacionados à doença, mencionados anteriormente, cada medicamento administrado deve ser avaliado juntamente com o portador da SD, mas não há, a princípio, nenhuma contra-indicação.

- No momento, em se tratando de Brasil, a prevenção só pode ser feita com aconselhamento genético. Mas já podemos contar com a tecnologia da biologia molecular para identificar o DNA do feto presente no sangue materno. Os pesquisadores trabalham também na identificação de marcadores existentes em mães de crianças com SD que possibilitariam uma maior chance da pessoa vir a ter uma criança com a doença. – destaca a professora.

Alguns exames são utilizados para diagnosticar a presença da doença no bebê, ainda na barriga da mãe. Existem testes de triagem e pode-se realizar o cariótipo nas vilosidades crônicas ou líquido amniótico, que permitem a visualização da alteração cromossômica. Estes exames ainda não fazem parte da rotina de atendimento nos hospitais brasileiros, mas com certeza aumentam os horizontes em relação ao diagnóstico precoce não invasivo, e a determinação de populações com maior risco para gerar crianças com Síndrome de Down. Em países onde a interrupção da gestação é permitida, no momento em que é feito o diagnóstico pré-natal da SD, o feto é retirado.

De acordo com Márcia Ribeiro, a incidência de casos de Síndrome de Down, no Brasil, é de um para cada 600 nascimentos. Dado não muito diferente da média mundial, que é de um caso para cada 800 recém-nascidos. O Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ) tem o registro de aproximadamente 400 pacientes portadores da síndrome, que foram e/ou são avaliados no Serviço de Genética Clínica do instituto.

A única forma de evitar a ocorrência de novos casos de SD é através do aconselhamento genético. Só com ele, o médico é capaz de orientar o casal em relação aos problemas decorrentes das malformações congênitas, seu risco de recorrência em futuras gestações, e sobre medidas preventivas. Se o aconselhamento for realizado durante a gestação, a única coisa que o profissional da saúde pode fazer é esclarecer questões referentes aos exames, e preparar o casal para receber a criança.

- Não há, na UFRJ, nenhuma pesquisa que procure descobrir a cura, ou a forma de evitar a Síndrome de Down. Nossos pesquisadores trabalham com alguns estudos que buscam conhecer melhor certos aspectos da SD, de forma a garantir um melhor tratamento dos pacientes – finaliza a geneticista Márcia Ribeiro.