• Edição 045
  • 20 de julho de 2006

Faces e Interfaces

Tudo pela ciência

Mariana Granja

A pesquisa científica tem evoluído muito nos últimos tempos. Novos medicamentos e produtos chegam à população a cada ano e contribuem para o controle e extermínio de doenças, além de proporcionar maior qualidade de vida aos ávidos consumidores. Mas antes de chegarem ao seu objetivo, eles precisam ser testados em organismos vivos, como animais, trazendo, além de soluções, muitos questionamentos. É correto utilizar animais em pesquisas? Eles têm direito à vida assim como os humanos, ou podem ser mortos em prol da Ciência? Para discutir o assunto, o Olhar Vital convidou dois profissionais para falarem acerca do assunto.

 

 

Silvia Reis

do Serviço Materno-Infantil do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (IPPMG)

"De acordo com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, promulgada pela Unesco em Bruxelas, em 1978, todos os animais são sujeitos de direito, (qualidade até então exclusiva do homem) e cabe a nós, humanos, a responsabilidade sobre a vida e bem-estar das demais espécies do planeta. No entanto, ainda hoje, a esmagadora maioria dos medicamentos e produtos cosméticos que usamos foram testados em animais antes de chegarem ao consumo. Segundo a Declaração, não somente o abandono e a violência contra animais são considerados crimes, mas a vivissecção também é condenada, assim como quaisquer outros procedimentos voltados para a educação, que impliquem sofrimento e morte de animais.

No Brasil, a Lei nº 6.638/79 proíbe a vivissecção em animais não devidamente anestesiados, ou que os procedimentos ocorram em locais não apropriados, sem a supervisão de técnicos especializados ou em presença de menores de idade, restringindo, assim, o uso prejudicial de animais no ensino. Já a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) amplia este conceito e torna crime em todo território nacional o uso prejudicial de animais na ciência e no ensino. Ainda em tramitação em Brasília, o Projeto de Lei 1691 de 2003 propõe a proibição de qualquer experimento sem o emprego de anestesia e propõe ainda a obrigatoriedade de submeter as pesquisas que envolvam animais às comissões de ética, a proibição de experimentos com animais quando já existirem meios alternativos ou substitutivos à experimentação; e a determinação do direito de escusa de consciência à experimentação animal, ou seja, nenhum estudante, funcionário, pesquisador ou professor poderá sofrer sanção administrativa por se recusar a praticar ou cooperar em experimentos que envolvam animais. 

Atualmente já se dispõe de tecnologia que, em muitos casos, permite substituir os animais por técnicas alternativas (ou substitutivas). Estas podem incluir: testes in vitro em tecidos, células ou microorganismos, modelos computacionais e matemáticos, técnicas físico-químicas, estudos em cadáveres preparados, utilização de manequins especiais, filmes, softwares educativos, etc. No entanto, grande parte da comunidade científica advoga que, em algumas áreas como na Farmacologia, a pesquisa em animais é ainda fundamental para o estudo dos efeitos fisiológicos de uma nova substância no organismo. O que propõem, então, é tentar reduzir ao máximo o número de animais utilizados na pesquisa, seguindo uma série de protocolos como os estabelecidos pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea) e dos Comitês de Ética em Experimentação Animal.

O panorama da bioética em nosso país é ainda atrasado, quando comparamos com os países desenvolvidos, mas podemos observar uma saudável tendência crescente de debate público e preocupação sobre o tema."

 

Ana Luiza Palheiros

Professora Adjunta do Departamento de Fármacos e representante da Faculdade de Farmácia na Comissão de Ética do CCS quanto ao uso de animais em pesquisas

"Eu acho que a ferramenta “animal” é um item importantíssimo na pesquisa, principalmente de novos fármacos, novas vacinas, e novos produtos, que visam ser utilizados em humanos numa terapêutica.

Eu acho que apesar do modelo animal não ser o modelo homem, nós não podemos colocar em risco um ser humano para atividades que não sabemos como serão os efeitos, tanto os terapêuticos quanto os tóxicos. Então eu sou a favor do uso de animais como uma etapa pré, porque é assim que é denominado. Evidentemente eu defendo o ponto de vista de que a gente tem que trabalhar pensando no aspecto ético e no que, desde a década de 50, tem-se tornado cada vez mais importante, que é se basear num postulado, chamado de três “R”.

Esse postulado significa que ao usar ou propor alternativas para avaliar atividades, sejam biológicas ou estudos e perfis toxicológicos de uma substância, precisa minimizar o número de animais empregados em sua pesquisa (reduction), refinar a técnica e a avaliação, então por exemplo, eu devo ter uma técnica mais precisa de dosar e observar o efeito, refinando (refinement), e substituir (replacement), que é trocar quando possível o animal por um modelo inferior, como um microorganismo. Então esse postulado é fundamental, e em vez de todos ficarem combatendo o uso de animais, porque eu também tenho pena deles, nós temos que trabalhar com responsabilidade e seguindo os três R, porque assim entram o trabalho e a ética, diminuindo o sofrimento.

Se o uso de animais for vetado acho que será um grande prejuízo para a pesquisa, não somente no Brasil, porque no exterior há grandes movimentos também. A pesquisa com animais existe no mundo todo, e tudo é feito para que possamos minimizar e refinar a utilização deles. Nós não podemos chegar ao homem sem passar por uma etapa prévia em animal ou em modelos in vitro que sejam predictivos daquela atividade no homem. Acho que vai ser de grande prejuízo principalmente na área de vacinas, porque você não tem como ter toda uma resposta de um sistema imune, que não composto de apenas uma célula, reproduzido numa placa.

Então essa é a minha visão, eu sou a favor, mas que todos trabalhem com esse postulado em mente, e eu tenho certeza que todos os pesquisadores tem esse cuidado."