• Edição 044
  • 13 de julho de 2006

Ciência e Vida

Controvérsias no surto psicótico

Mariana Elia

O surto psicótico se caracteriza por uma série de fenômenos sensoriais e pensamentos perturbadores que fogem ao controle do paciente. Alucinações visuais e auditivas, e sensação de perseguição são alguns dos sintomas comuns, que impelem a tomadas de decisões estranhas ao cotidiano e que podem inclusive prejudicar fisicamente o paciente.

O surto pode advir de causas diversas. Atualmente, muito se discute a influência da maconha sobre a psicose. Segundo a doutora Salete Ferreira, coordenadora-adjunta do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad) e professora visitante do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), a maconha atua de três maneiras diferentes para início do surto psicótico. “Pode ocorrer a indução, que seria o surto induzido, em que a psicose é transitória. Há uma segunda hipótese que decorre da pessoa já ter um quadro, uma disposição psiquiátrica, e a maconha acentua o processo. E por último, a droga, principalmente maconha e álcool, pode funcionar como um aliviador do delírio. Nesse caso, o paciente suporta com mais tranqüilidade o surto”, explica.

O surto induzido pela cannabis gera todos os fenômenos típicos de uma psicose estrutural. “É fenomenologicamente uma psicose, mas o delírio não é organizado e nem preponderante”. Como é uma droga alucinógena, a percepção se altera e alguns sujeitos podem ser mais suscetíveis, mas é difícil inferir sem um diagnóstico atento. O segundo caso descrito por Salete se caracteriza por uma psicose estrutural e a droga pode ter uma função desencadeadora ou intensificadora, mas não criadora da patologia. O surto acometeria o sujeito de uma maneira ou de outra.

Algumas pesquisas também têm alertado para a gravidade da ingestão da maconha, que aumentaria a predisposição para o desenvolvimento da patologia. A doutora Salete, no entanto, discorda dessa suposição. “Qualquer produto inalado tem uma repercussão mais leve que o ingerido ou injetado, pois estes permanecem mais tempo no organismo. Mas o tempo não faz diferença para desencadeamento do surto”. Dessa maneira, não se trata da forma de utilização, o surto psicótico depende de outros fatores, principalmente subjetivos. “Um outro fator é a quantidade utilizada da droga, que pode fazer a diferença na acentuação da crise”, diz Salete Ferreira.

O diagnóstico é complicado. Além dos pesquisadores não entrarem em acordo sobre as hipóteses estudadas, o surto pode ser confundido com uma simples conseqüência da ação alucinógena. “Para diferenciarmos, é preciso fazer um acompanhamento clínico, verificando histórico e os acontecimentos posteriores. A internação pode ser necessária, mas a consideramos com uma última tentativa de retirada da droga”, explica a doutora. A maconha, portanto, influencia no surto psicótico de maneira coadjuvante, uma vez que não gera, mas intensifica e até ameniza o quadro delirante. Assim, a cannabis continua tema de discussão constante na sociedade e a psicose, por sua vez, ainda gera discordâncias.