• Edição 043
  • 6 de julho de 2006

Ciência e Vida

Metais pesados, um perigo constante

Taisa Gamboa

No final da década de 50, um grupo de pessoas de uma cidade do Japão começou a apresentar uma série de sintomas do que seria uma síndrome neurológica, com distúrbios sensoriais nas mãos e pés, danos à visão e audição, fraqueza e, em casos extremos, paralisia e morte. Uma concentração muito grande de mercúrio metilado tinha vazado nas águas da baía de Minamata, contaminando peixes e intoxicando a população.  

Apesar da grande repercussão do acidente na baía de Minamata e das medidas legais implantadas, o ser humano ainda corre perigo em relação a esse tipo de substância disperso no meio ambiente. Para tentar evitar desastres como esses, a equipe do Laboratório de Radioisótopos do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ desenvolve uma série de pesquisas que avaliam a contaminação ambiental no nível biótico (relativo aos organismos vivos de um ecossistema) e abiótico (de caráter físico-químico). De acordo com o professor João Paulo Torres, o trabalho envolve a determinação de metais pesados em amostras ambientais e humanas, focalizando de um lado os aspectos das analises químicas propriamente ditas e também os efeitos que essas substancias podem ter sobre o meio ambiente e a saúde humana.

Assim como o mercúrio, uma série de outros metais são classificados como pesados. Metais químicos altamente reativos e bio-acumulativos, incapazes de serem eliminados pelo organismo. Alguns metais são importantes para a vida humana e estão em muitas de nossas enzimas. Um exemplo clássico é o ferro, presente na hemoglobina, responsável pela respiração celular. O zinco, o cobre e o cobalto também têm importantes funções biológicas. Mas outros, como o mercúrio, o chumbo e o cádmio não têm nenhum efeito benéfico. As concentrações muito elevadas, mesmo dos chamados metais essenciais, são tóxicas ao homem. É por isso que a poluição por metais tem um impacto muito grande sobre a qualidade de vida das populações afetadas.

Segundo o pesquisador, todos os metais têm origem natural, porém, com a industrialização o homem acelerou, modificou e ampliou em muito os níveis de diversos deles, alterando sua forma química e tornando-os, às vezes, mais disponíveis para incorporação biológica. O fundo do mar têm naturalmente níveis altos de alguns metais, como o manganês, mas esse fato é agravado pela poluição e com a proximidade às áreas costeiras.

Os metais são eternos, apenas mudam de lugar na biosfera em função de processos naturais e de seu intenso uso pelos humanos. Quando presentes na natureza em sua forma original, eles não conferem riscos ao ambiente, entretanto, o desmatamento e o beneficiamento de minérios são fatores que facilitam a contaminação. O primeiro, favorece o carreamento dos metais até os rios, lagoas e mares. A falta de infra-estrutura e de fiscalização adequadas fazem com que grande parte dos metais manipulados pelas mineradoras sejam estocados de forma indevida e seus resquícios em locais inapropriados.

Foi o que aconteceu na baía de Sepetiba, no Estado do Rio de Janeiro. Lá, uma empresa manipulou durante 40 anos metais pesados e jogou seus sedimentos no meio da baía. Segundo Mauro Rebelo, professor de Biofísica da UFRJ, ao entrar em contato com a água, os metais sofrem reações químicas, mas uma parte é absorvida pelos fitoplânctons (microrganismo aquáticos), e filtrados pelas ostras; enquanto a outra parcela vira sedimento no fundo da água.  

- Os fitoplânctons são alimentos para várias espécies de animais marinhos, que ingerem, junto com eles, concentrações de metais. Os seres humanos, por sua vez, quando se alimentam de peixes e crustáceos, consomem também os metais que por eles foram absorvidos – completa o professor.

Muitos desses metais não essenciais foram encontrados pelos pesquisadores da UFRJ, na baía de Sepetiba, fora dos padrões e concentrações estabelecidos pela vigilância sanitária nacional e pela legislação internacional. Os sedimentos, por exemplo, devem ser despejados a seis milhas da costa, aproximadamente, 4,4Km. Entretanto, eles foram lançados no meio da baía, resultando em uma montanha de rejeito químico, que atrapalha a vida marinha e a atividade porteira.

De acordo com o professor João Paulo Torres, cada metal tem um efeito e toxidade específicos e que variam conforme o tipo de exposição, mas nem sempre seu contato com o homem provoca um efeito direto.  Em alguns casos, os animais consomem a energia que utilizam na manutenção de algumas de suas funções normais para tentar se desintoxicar, o que prejudica os processos vitais de seu organismo. O zinco, por exemplo, ataca o sistema gastrintestinal, enquanto o mercúrio interfere no sistema nervoso.

Desastres como o de Minamata e problemas como os de Sepetiba podem ocorrer em outras regiões do Brasil. Segundo Jean Remy Guimarães, professor do IBCCF, os nossos estudos sobre metais pesados se concentraram na região amazônica, onde avaliamos os impactos de atividades garimpeiras sobre os níveis ambientais e humanos de mercúrio e as transformações que este elemento sofre no ambiente aquático.

Os pesquisadores da UFRJ documentam também o aumento da concentração de mercúrio em peixes em represas da região e seu decréscimo ao longo do amadurecimento das represas. O mercúrio em particular ilustra a complexidade dos ciclos de metais pesados, já que há emissão desse material pelos garimpos, mas ele também está presente em elevadas concentrações nos solos, e é levado aos rios pela erosão que o homem acelera ao explorar a região.

Embora os metais pesados estejam concentrados em todo o meio ambiente, é sua presença na água que provoca mais problemas aos homens. É por isso que o governo se preocupa em estabelecer regras de tratamento da água a se tornar potável, de forma a reduzir a concentração dos metais pesados. Como grande parte desses metais fica concentrada no fundo do mar, torna-se importante a análise dos sedimentos, através dos quais é possível coletar informações sobre a origem da poluição. Tão importante quanto a limpeza da água em si, para a saúde da população, é saber a origem do problema.

Para o professor Jean Guimarães, há crescente preocupação com a contaminação ambiental por metais pesados, mas falta multidisciplinaridade na abordagem do problema. Estamos expostos a diversos poluentes ao mesmo tempo, entretanto seu controle exige analises caras e demoradas, e a analise de seus efeitos combinados na saúde humana é um desafio. Há normas, regulamentos e limites, mas falta infra-estrutura para o controle e monitoramento, diante do crescimento exponencial.

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