• Edição 042
  • 29 de junho de 2006

Saúde e Prevenção

Tecnologia, ciência e alimentação de mãos dadas

Taisa Gamboa

A idéia de segurança alimentar surgiu na NASA, Agência Espacial Norte-americana. Com um maquinário tecnológico praticamente perfeito, nada poderia falhar no espaço, a não ser o homem. Não havia a possibilidade de se admitir que um dos astronautas tivesse uma indigestão em função da má conservação de um alimento, por exemplo. Foi assim que os cientistas norte-americanos desenvolveram técnicas que asseguravam a absoluta qualidade dos alimentos que os astronautas iriam ingerir durante uma missão espacial.

Segurança alimentar é um termo que diz respeito às regras de segurança que envolvem todo o ciclo de vida dos alimentos, desde o plantio, passando pela indústria, até o consumidor final. De acordo com o professor Marco Miguel chefe do Laboratório de Microbiologia de Alimentos do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG), se o produtor rural aduba a terra com um composto cru, como fezes de animais, elas contaminarão os alimentos com microorganismos patogênicos. Agrotóxicos em excesso e venenos compartilhando estoque com alimentos também são fatores que põem em risco a qualidade dos alimentos.

Essas pequenas falhas podem ocorrer em todas as etapas de produção e consumo do alimento, e são responsáveis por graves problemas de saúde pública. Os problemas podem ocorrer também na indústria. “Se um equipamento ou manipulador estiverem contaminados, todos os alimentos serão comprometidos. Além disso, produtos processados não devem entrar em contato com alimentos crus, para evitar a contaminação por microorganismos”, complementa o professor.

— Estamos sujeitos a perigos microbiológicos (bactérias, vírus e parasitas), biológicos (moscas, ratos e baratas), químicos e até físicos. Um parafuso pode cair em cima de um caixote de legumes, da mesma forma como uma lâmpada pode quebrar sobre elas. Farpas de madeira e pregos também são uma ameaça — observa Marco Miguel.

O setor de vendas de alimentos também é recheado de riscos. A falta de preocupação com questões sanitárias e de conservação são os principais problemas. Em casa, as mesmas falhas, alimentos fora da geladeira, tábuas e pias porosas funcionam como viveiros de microorganismos.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estipula algumas normas básicas de segurança que devem ser respeitadas pelos produtores, fabricantes, vendedores e consumidores. Entretanto, problemas financeiros e de pessoal impedem que a fiscalização seja realizada em todos os estabelecimentos e com a freqüência adequada. É por isso que o principal trabalho da agência é estimular e propagar a cultura da auto-regulação.
Para isso a Anvisa conta com a política de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), que garante a qualidade dos alimentos fornecendo um selo, como se fosse uma ISO. A idéia surgiu com os planos iniciais da NASA e funciona com uma equipe multidisciplinar que analisa tudo o que pode acontecer de errado com um alimento e como prevenir e remediar esses problemas. Assim é possível estabelecer um conjunto de práticas com ênfase técnica que garantam a segurança dos alimentos, principalmente em termos de comercialização.

Segundo o pesquisador Marco Miguel, quem compra e vende alimentos tem um tempo para implantar as medidas do APPCC, mas esse processo exige dinheiro e pessoal especializado. Dessa forma, apenas as empresas que têm recursos conseguem estabelecer essas regras, mas uma grande parte do comércio de alimentos é informal e não absorve as medidas.

— Há um tempo atrás, o Prato Pronto, um restaurante self-service que funcionava no térreo no prédio do CCS, foi fechado em função das péssimas condições a que os alimentos eram vendidos. Uma vistoria foi realizada pela equipe do departamento de Microbiologia Médica do IMPPG e constatou-se que todas as frutas e hortaliças oferecidas ao consumo estavam fora dos padrões sanitários. Além disso, esses alimentos estavam com qualidade igual a dos vendidos nas feiras-livres, pois provavelmente não eram lavados adequadamente — afirma o professor.

Para ele, a situação da alimentação da população mundial hoje é muito grave. “Antes, a geração do bife e batata-frita tinha como inimigo principal o colesterol da fritura. Com a propagação de uma alimentação mais saudável, as saladas passaram a ser o prato mais consumido. Aumentou-se, portanto, o risco de contaminação microbiológica. Para se comercializar esses alimentos não aquecidos diretamente para o consumo, deve-se ter um controle rigoroso da segurança”, analisa.

— A UFRJ, por exemplo, como academia que é, deveria oferecer um serviço padrão. O ideal seria criar uma comissão que normalizasse e fiscalizasse a produção, manipulação e comercialização dos alimentos dentro da própria universidade. Pesquisadores e graduandos dos Institutos de Microbiologia e Nutrição formariam uma equipe que treinaria os cozinheiros, vendedores e comerciantes, concedendo a eles licença para manipulação e venda de comida — comenta Marco Miguel.

 

Novas propostas da UFRJ para garantir a segurança dos alimentos


Na tentativa de melhorar as condições dos alimentos oferecidos à população, a UFRJ vem desenvolvendo vários projetos. O principal deles é referente ao uso inadequado de jaleco durante a alimentação. Nos hospitais e laboratórios os jalecos são expostos a vários tipos de bactérias, vírus e parasitas, que os professores, alunos e funcionários levam aos restaurantes quando saem para almoçar com eles. Tecidos de jaleco foram isolados para se verificar durante quanto tempo as bactérias conseguem sobreviver fora do hospedeiro. Os primeiros testes mostraram que após 20 dias, ainda existem bactérias vivas capazes de contaminar os alimentos com que entram em contato.

O controle de qualidade das saladas pré-processadas (vendidas em supermercados), da água mineral, das escamas e cubos de gelo são trabalhos desenvolvidos pelos alunos de graduação do Instituto de Nutrição. Outro estudo que vem sendo produzido pela equipe do IMPPG e da Nutrição é a produção da bacteriocina. Este antibiótico natural é produzido por bactérias, e tem efeito contra todas as suas outras espécies. A idéia é introduzir esse tipo de bactérias em derivados do leite, de forma a ampliar o tempo de conservação sem os conservantes químicos tradicionais. Duas bactérias conhecidas já foram isoladas para a produção dessa nova substância.

Outra pesquisa vem sendo desenvolvida em parceria com o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE) na criação de um equipamento que detecte bactérias. Na técnica comum, esse processo leva cerca de uma semana. Em casos mais rápidos, é possível detectar as bactérias em até 48 horas. O novo biosensor realizará esse processo em 20 minutos.

Enquanto essas iniciativas não são implantadas, alguns cuidados básicos podem ser tomados pela população. Em casa, as pessoas podem controlar de perto a compra, a conservação e a produção dos alimentos, que devem ser bem lavados e cozidos antes do consumo. Se houver a necessidade de se alimentar na rua, as pessoas devem preferir os alimentos quentes, pois a alta temperatura em geral mata os germes. Saladas e demais comidas frias estão mais sujeitas a contaminação.