• Edição 041
  • 22 de junho de 2006

Ciência e Vida

Anemia sem cura

Mariana Granja

Originada do continente africano, a anemia falciforme surgiu devido à uma mutação genética natural. Ao invés de possuir a hemoglobina A, pigmento vermelho presente nas hemácias e responsável por levar o oxigênio do pulmão para o corpo todo, as pessoas passaram a ter a hemoglobina S, tendo conseqüentemente hemácias em forma de meia lua ou foice em vez de arredondadas. Essa modificação, que tinha o objetivo de proteger a população contra a malária, cumpriu sua função, mas ao mesmo tempo fez com que a anemia falciforme se desenvolvesse e se propagasse pelo Brasil desde a vinda de escravos e afrodescendentes ao país.

De acordo com Paulo Ivo Cortez, médico pediatra hematologista do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), a hemoglobina S não exerce a função de oxigenar o corpo de forma satisfatória, fazendo com que a pessoa tenha uma anemia crônica que não se corrige nem com alimentação, nem com ferro. “O problema de oxigenação ocorre porque estas células afoiçadas têm muita dificuldade de passar pelas veias que levam o sangue para os órgãos, levando ao seu entupimento e a muitas dores, principalmente nos ossos”, explica.

A doença é continuada pela hereditariedade. “A Anemia Falciforme é a doença hereditária mais comum no mundo em nosso país. Todas as características do nosso corpo são feitas por informações que recebemos dos nossos pais através dos genes que vem no espermatozóide do pai e no óvulo da mãe. É assim com a cor dos olhos, do cabelo, da pele, a altura e etc. Com a hemoglobina não é diferente. Se recebermos um gen com a mutação para produzir a hemoglobina S do pai e outro da mãe nascemos com um par de genes com a mutação e assim temos a anemia falciforme”, explica o médico. Mas quando a pessoa possui um gen com a mutação e o outro gen normal, ela tem apenas um traço falciforme. “O portador de traço falciforme não tem doença e não precisa de tratamento especializado. Pode ter vida normal, assumir a profissão que quiser, praticar qualquer esporte. Ele deve ser bem informado sobre isso e saber se tiver filhos com outro portador de traço falciforme poderá nascer uma criança com a anemia falciforme, ou com traço ou até mesmo sem nada”, adverte Paulo Ivo.

Os sintomas de quem possui Anemia Falciforme são muitos e variados. O mais freqüente são as dores, que podem se localizar nos ossos ou nas articulações, no tórax, no abdômen, podendo atingir qualquer local do corpo. Essas crises têm duração variável e podem ocorrer várias vezes ao ano. A icterícia também acontece, e é causada devido ao rompimento da hemácia em forma de foice, que libera um pigmento amarelo no sangue chamado bilirrubina, trazendo escurecimento da urina e cor amarelada aos olhos. “Além disso, ocorrem principalmente nos bebês, infecções e dores com inchaço nas mãos e nos pés. Já nas crianças maiores as dores são mais nas pernas, nos braços e na barriga. Alguns doentes podem chegar a ter derrame cerebral com lesões graves e definitivas”, explica o médico. Nos adultos as principais complicações ocorrem devido ao dano ao longo da vida de órgãos importantes como fígado, pulmão, coração e rim. Nesta idade também é comum o aparecimento de úlceras de pernas, machucados graves de difícil cicatrização normalmente localizados perto dos tornozelos e que devem ser prevenidos com utilização de meias grossas e sapatos.

O portador de anemia falciforme deve tomar uma série de cuidados desde a descoberta da doença. “O bebê deve iniciar um acompanhamento médico adequado baseado num programa de atenção integral ao doente com esse mal. Neste programa os pacientes devem ser acompanhados por toda a sua vida por uma equipe multiprofissional. Esta equipe é treinada em orientar a família e o doente a descobrir rapidamente sinais de gravidade da doença, a tratar adequadamente as crises quando presentes e a praticar medidas para prevenir as crises da doença e infecções graves. Ela é formada por médicos, enfermeiras, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, dentistas, entre outros. Além disto, as crianças devem ter seu crescimento e desenvolvimento acompanhados como é feito com todas as outras que não tem a doença”, orienta doutor Paulo. Devido à maior necessidade calórica, a alimentação do doente deve ser balanceada, e é importante que ele faça muita ingestão de líquidos. A prática de esportes deve ser avaliada antes pelo hematologista, já que pode desencadear crises de dor se feita de modo inadequado ou excessivo.

A diagnosticação da doença atualmente pode ser feita logo ao nascimento do bebê. “O ideal é que toda criança na primeira semana de vida vá ao posto de saúde para tomar as vacinas de BCG e Hepatite B e colher as gotinhas de sangue do pé para fazer o teste do pezinho. Este teste não é feito somente para a anemia falciforme, nele estão incluídos mais duas doenças : a fenilcetonúria e o hipotireoidismo congênito. Para os que não fizeram o teste do pezinho, existe o teste de afoiçamento e o teste da mancha como exames de triagem e a eletroforese de hemoglobina como exame confirmatório”, esclarece o hematologista.

O tratamento para a doença – que não tem cura – é feito com medicação para dor, antibióticos, aumento de ingestão de líquidos, transfusão de sangue, repouso, e quando necessária, cirurgia. “É importante conhecermos a anemia falciforme porque ela está muito presente na nossa população, pois a cada 1200 crianças que nascem uma tem a doença e a cada 23 crianças que nascem uma tem o traço falciforme. Assim, quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor será a qualidade e o tempo de vida dessas pessoas”, finaliza o médico.