• Edição 039
  • 8 de junho de 2006

Por uma boa causa

Joelhos em perigo

Mariana Elia

Para dar continuidade à nossa série de matérias sobre lesões causadas por excesso de exercício físico, trataremos nesta semana da musculatura dos membros inferiores e a relação dessa com os ossos.

A síndrome de tensão patelofemoral, chondromalacia ou simplesmente joelho do corredor é uma das lesões mais comuns nos atletas de corrida e ciclismo. Ela se caracteriza por um desgaste da cartilagem presa a patela – osso, antigamente chamado de rótula, que se localiza no centro do joelho. Ao movimentar-se, o fêmur é deslocado para cima e para baixo, tocando levemente a patela. Entretanto, esse contato pode ser mais intenso, fragilizando a cartilagem.

As causas mais comuns são o desequilíbrio entre a musculatura posterior e anterior das coxas e o excesso de rotação interna do fêmur. O músculo posterior das coxas é normalmente mais fraco que seu opositor. Se essa característica se apresentar de forma acentuada (possivelmente por treinamento físico inadequado), o fêmur imprimirá uma tensão muito forte sobre a patela. É comum gerar crepitação, ruído causado pelo contato entre os dois ossos.

A rotação interna do fêmur deriva do fortalecimento exagerado do músculo externo da coxa em relação ao interno. Além de desenvolver a pronação (pés virados para o interior), a rotação aumenta o atrito entre a patela e a extremidade do fêmur, gerando o desgaste.

Como a corrida e o ciclismo exigem uma flexão constante dessa musculatura (no caso do ciclismo o joelho está semi-flexionado constantemente), o treinamento deve levar em consideração muitas variáveis. O terreno deve ser plano e sem desníveis; o calçado deve ser apropriado, sem muita rigidez. A fisioterapeuta Catarina Mabel, do Serviço de fisioterapia do HUCFF, destaca também a difusão desses esportes nas classes mais desfavorecidas. “Como essas pessoas não têm recursos para levantar uma equipe clínica de apoio, nem mesmo adquirir recorrentemente calçados adequados, a lesão se torna mais comum. Não é fácil encontrar espaços como o entorno da lagoa Rodrigo de Freitas, e dessa maneira, o atleta treina em meio-fio de ruas ou em pista circular”.

O tratamento imediato inicia com o repouso dos membros e o uso de antiinflamatórios. A analgesia é feita com gelo, evitando também surgimento do edema. A elevação das pernas diminui a inflamação, já que incita o retorno venoso. Em seguida, são feitos alongamentos leves a fim de fortalecer a musculatura, reequilibrando a ação entre os músculos anteriores e posteriores. A mobilização da patela também é recomendável, mas a professora Catarina alerta para o uso de mobilizadores como substituição do tratamento.

Essa questão vai ao encontro do que se vive no mundo do esporte atualmente. A professora tem sérias restrições em relação à valorização dada aos métodos de recuperação rápida, aos quais tantos esportistas recorrem. Segundo ela, mesmo que o atleta tenha organismo saudável, a cicatrização leva o mesmo tempo que a de uma pessoa comum. Isso leva o que a professora chama de “falsa recuperação”, já que no momento em que a fibra está sendo cicatrizada, o tecido ainda está imaturo, a atividade física é retomada. E dessa forma surge a lesão de repetição: o tecido é lesionado seguidamente e aumentam as possibilidades de uma lesão maior, que só poderá ser tratada por recurso cirúrgico.

A síndrome de tensão patelofemoral não é a única lesão comum nos membros inferiores. A chamada canelite, ou tendinite do tibial anterior, também é causada por um desequilíbrio entre os músculos. O músculo posterior da tíbia costuma ser mais forte que o anterior, causando neste fadiga. É comum sentir muita câimbra e dor durante a atividade física e para tratar é preciso fortalecer o músculo anterior.

A tendinite poplítea é causada pelo reduzido tamanho da musculatura atrás dos joelhos. Quando requisitada em excesso, em ocasiões que exijam muito dos joelhos, desenvolve-se inflamação nesta musculatura.

Dessa forma, é preciso desenvolver um treinamento de acordo com as diferenças referentes à musculatura, pois o fortalecimento de uma parte pode desequilibrar a harmonia do funcionamento total. A professora Catarina ressalta a importância de uma equipe interdisciplinar no acompanhamento da preparação física de todo esportista a fim de reduzir a possibilidade de lesão e tratar de forma integral, caso esta ocorra.

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